Enéas em 1994: Enéas faz campanha com pose de 'salvador'

MARCELO MIGLIACCIO
DA SUCURSAL DO RIO

Enéas faz campanha com pose de'salvador'
Candidato do Prona é soma de cientista e de Enéas
O cardiologista Enéas Ferreira Carneiro, 55, afirma que anulava o voto desde 1960, quando Jânio Quadros o decepcionou. Em 1989, porém, passou a votar num novo personagem, aquele que diz: "Meu nome é Enéas!".
A decisão definitiva de se candidatar pela primeira vez foi tomada em 88, quando, em conversas com amigos, decidiu encarnar a "indignação popular".
Retraído desde a faculdade –como lembra o cirurgião e ex-colega Laércio Gonçalves–, Enéas, candidato, tornou-se ainda mais fechado.
Não fala, por exemplo, da mulher, das três filhas e das ex-companheiras (veja texto ao lado).
Em junho de 89, o Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional) ganhava seu registro provisório, organizado graças a seus colegas médicos, militares e ex-alunos espalhados pelo Brasil.
O personagem Enéas se mostra nos 69 segundos diários que o Prona ocupa no horário gratuito da televisão, e em suas raras aparições públicas. "Orrrrdem", grita em seus pronunciamentos
Em sua primeira candidatura, em 89, tinha apenas 17 segundos. Nesse tempo, disparava sua verborragia chegando a pronunciar até 56 palavras. Ficou em 12º lugar (eram 21 candidatos), com 360.561 votos.
Na última pesquisa Datafolha, Enéas obtém 4% das intenções de voto, mesmo índice de Orestes Quércia, candidato do maior partido do país, o PMDB.
"Vou correr o risco para ver se ele é autoritário ou tem a autoridade de que estamos precisando", diz o engenheiro Mário Barbosa Vilas Boas, 34, que saiu do PT quando o partido decidiu não expulsar Luiza Erundina por ter se tornado ministra do atual governo.
É mais um no rebanho de cerca de 20 mil que a direção nacional do Prona garante já ter cooptado em todo o Brasil. Como os TREs e o TSE não controlam o número de filiados dos partidos, é acreditar ou não.
São militares, médicos e microempresários, que tratam o candidato como uma espécie em extinção, um oásis de sabedoria e honestidade num país para eles repleto de retardados e ladrões.
"A inteligência dele está num plano muito superior à nossa", curva-se o microempresário e candidato a deputado estadual pelo Prona paulista Paulo Oséias, 32, eleitor de Collor em 89.
"É nosso salvador", emenda a deputada federal Regina Gordilho, única parlamentar do partido no Brasil, eleita pelo PDT após perder um filho espancado por PMs na zona oeste do Rio.
Enéas não se revela nem mesmo para os moradores do edifício onde vive, em Laranjeiras (zona sul do Rio), num apartamento de US$ 140 mil, com a atual mulher Adriana e a filha mais nova.
Os vizinhos já se acostumaram com a formalidade daquele homem, quase sempre visto de terno e gravata, que não frequenta nenhuma das áreas de lazer do prédio.
"Às vezes ele atrasa o condomínio quando está em campanha, mas depois paga", conta a síndica do prédio, Tânia Borges, 34, que já convenceu o filho menor de que o vizinho do 1605 não é o "Papai Noel preto".
Risos e momentos de descontração pública, Enéas concede a poucos, como o assessor Codeceira, um dos raros em seu séquito com poderes para questioná-lo.
Escudeiro inseparável, Codeceira tem prerrogativas até para limpar uma gota de saliva emaranhada na barba do candidato após uma de suas raras gargalhadas contidas. O show de Enéas não prevê risos.
Seus asseclas o cumprimentam após cada explanação exaltada, como aquela em que defendeu tratamento médico para os que apresentam "desvio de conduta para o homossexualismo".
Enéas Carneiro –nascido no Acre e residente no Rio de Janeiro desde 1958– afirma que não tem preconceitos, "só conceitos". "Também não acho nada: ou sei, ou não sei".
O médico diz que é contra a pena de morte, que não discrimina raças e que não apóia a censura prévia a manifestações artísticas.
Mas berra que Lula não pode ser presidente por falta de escolaridade e por desconhecer a bauxita refratária e defende a invasão das favelas pelo Exército.
Enéas Carneiro nega que seja fascista, mas não consegue convencer que o personagem que criou, cujo nome é "Enéas!", não o seja. 


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/8/28/caderno_especial/45.html

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