Televisão e Ideologia

"Antes de tratar especificamente da influência ideológica que os produtos televisivos exercem sobre os telespectadores, faz-se necessário aludir a questões prévias. Em primeiro lugar, ao fato de a ação ideológica da televisão não estar desvinculada da ação ideológica dos meios de comunicação de massa em geral, ainda que apresente determinadas peculiaridades. E. em segundo lugar, ao fato de essa influência não ter por que ser intencional para ser real, rebaixando em inúmeras ocasiões os propósitos de cada autor considerado individualmente.

Quando acusamos a televisão de propor e exaltar uma determinada concepção de vida e de relações entre as pessoas, temos de reconhecer que tal concepção não está distante nem difere daquela que certos tipos de filmes nos fazem chegar ou, também, a que nos mostram as revistas românticas. O "american way of life" tanto está nas séries policiais dos Harrelson e companhia, como estava nas comédias de Doris Day. Acontece que o cinema sempre admitiu uma diversidade maior de produtos do que a admitida pela TV. Não cabe pensar em telefilmes "de autor", num posicionamento paralelo ao cinema "de autor". Na Europa, sobretudo, a liberdade de escolha do telespectador é muito limitada, muitíssimo mais limitada na comparação com qualquer outro meio de comunicação de massa. E a relação com o meio televisivo é, ao mesmo tempo, maior que a mantida com o resto dos meios. Logo, quantitativa e qualitativamente, a função ideológica da televisão supera a do resto dos meios, ainda que, na essência, não seja radicalmente diferente.

O fato de a televisão ser meio de meios e proponha ao telespectador uma sequência continuada de emissões que formam um conglomerado único obriga a que, ainda que se distinguindo os limites de cada parcela-programa, o produto televisivo deva ser percebido e julgado como corpo completo, complexo e poliédrico. A justaposição de informativos, programas musicais, concursos, programas dramáticos, etc., engrenados todos eles em cadeia pêlos blocos publicitários, propicia o transvasamento, a identificação e o amálgama, mais do que o contraste ou a surpresa crítica. Tudo passa a ser espetáculo, inclusive a política ou a morte, e esta evidência constitui uma demonstração de que a televisão transmite de forma contínua ideologia, apresenta-nos de forma contínua uma determinada perspectiva sobre a concepção do mundo e das relações entre seus habitantes.

Função ideológica da publicidade
Ainda que a incitação ao consumo já suponha, por si mesma, um posicionamento ideológico e de proselitismo em quem a provoca sem medida e sem advertência, quisemos separar a análise desta faceta da publicidade e a consideração ideológica das mensagens publicitárias à margem de sua intenção de vender. A função ideológica da publicidade que nos interessa abordar agora é a que deriva do tipo de valores que são promovidos e reforçados em consequência de sua constante utilização como argumentos de venda. A publicidade pretende vender, seja como for, e isto já corresponde a uma postura ideológica. Neste aspecto, toda a análise efetuada no capítulo anterior não está desvinculada do que trataremos neste. Não obstante, por baixo desta evidência, há uma segunda ligação publicidade-ideologia cuja presença é mais velada, mas nem por isso menos efetiva e menos preocupante.

A publicidade dirigida para o adulto tende a ligar o consumo de um produto à satisfação de certos desejos e certas necessidades que a maioria de nós fomos assimilando como normais. Numa sociedade competitiva se argumenta com o triunfo, com o êxito; numa sociedade egoisticamente hipócrita se argumenta com o ficar bem; a aparência suplanta a autenticidade. Assim, vemos mães orgulhosas pelo fato de seus filhos e seu marido não descobrirem que elas lhes estão dando suco artificial em lugar de suco natural; vemos um tal de Manolo dizer a uma menina que seu carro é novo, depois de haver confessado a outras pessoas que parece novo por ter-lhe dado brilho com determinado produto novo; e ouvimos a argumentação direta que afirma: "Como a gente passa bem com Carlos III!"

Tal técnica publicitária se aplica, por simples translação, aos anúncios dirigidos a crianças. Encontramo-nos, então, face ao fato de que o anúncio não vem prometer a satisfação de tendências mais ou menos consolidadas na personalidade do receptor, mas sim, com o fato de que as está reforçando em sua origem, ou, mais ainda, está adiantando e fertilizando seu nascimento. Há um spot muito representativo para ilustrar estas afirmações: o de "Barbie Superstar".

Trata-se de uma boneca vestida de lantejoulas, ruiva desconcertante, feita objeto ao máximo, boneco solene de televisão que parece ter acabado de vir de um espetacular triunfo em Hollywood. Ao mesmo tempo em que nos é apresentada esta "superestrela mundial, diferente de todas", uma voz garante: "Brincando com Barbie, você brinca de ser gente grande." Para encerrar, uma musiquinha, interpretada por uma menina que parece já convicta de sua lógica e indomável vocação: "Daqui a alguns anos, serei como Barbie; enquanto isto, brincarei com Barbie Superstar." Não pensamos que transformar o que é feminino em objeto seja uma meta a ser estimulada entre as meninas e não entendemos, por conseguinte, como a RTVE tenha admitido a transmissão deste spot ao mesmo tempo em que censurava a aparição de seminus em anúncios de roupas de baixo.

Poderíamos citar inúmeros exemplos que o leitor saberá descobrir também por si mesmo. Não cremos que relacioná-los seja necessário para concluir que a publicidade infantil reproduz com grande força, e sem a intermediação de nenhum agente educativo clássico, os valores mais enraizados na ideologia dominante: competitividade, triunfo, conquista, despreocupação. E o faz num nível subterrâneo, visto que substitui o conhecido processo de tendência inconsciente-consumo do produto, pelo inverso: desejo do produto-criação de tendências inconscientes. Com isto, a partir de spots vai se formando na cabeça das crianças uma determinada concepção do mundo, vão as crianças recebendo como válidos e positivos certos valores, enquanto não ouvem falar de outros, e vão vivendo inquietudes concretas e específicas."

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Fonte:
M. Alfonso Erausquin, Luis Matilla e Miguel Vázquez: “Os Teledependentes”. Summus Editorial. São Paulo, 1983, p. 69-71.

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