Vale inicia obras do novo Carajás
Um dos maiores projetos de exploração mineral da Vale no mundo, o S11D, na Serra Sul de Carajás, será implantado até 2015 em Canaã dos Carajás (PA). O escoamento de minério passará de 110 milhões de toneladas por ano, para 220 milhões de toneladas no primeiro ano da efetivação da mina, com previsão de crescimento para 280 milhões nos próximos cinco a dez anos.
Sem debater o projeto por inteiro junto à sociedade e comunidades impactadas, a Vale já começa a expansão da Estrada de Ferro de Carajás nos municípios maranhenses de Itapecuru Mirim, Anajatuba, Alto Alegre do Pindaré, Nova Vida, Bom Jesus das Selvas, Açailândia, Cidelândia e na cidade paraense de Marabá.
Ao todo deverão ser construídas 46 novas pontes, 5 viadutos ferroviários, 18 viadutos rodoviários e, no porto de Ponta da Madeira de São Luis, será feito mais um píer para os navios de carga. Para isso, a Vale almeja a remoção, ao longo da via férrea, de 1.168 pontos de “interferências” intituladas pela própria, tais como: cercas, casas, quintais, plantações e povoados inteiros.
Fragmentação e silêncio
Para Frederico Drumond Martins, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela Floresta Nacional de Carajás, onde ocorrerá a exploração da S11D, “não interessa à Vale debater o projeto”. “Quanto mais a Vale o apresentar entre os movimentos populares, a população e as entidades que defendem o meio ambiente e são contra os distúrbio sociais causados pelo empreendimento, mais ela será questionada. Por isso, o debate fica muito restrito: ela apenas enfatiza os benefícios do projeto, mas não a problemática que vai gerar”, explica.
Outro ponto para o qual Martins chama atenção é a maneira como a Vale vem conseguindo as licenças para iniciar as obras. “A empresa fragmenta a busca pelas liberações, pedindo separadamente as coisas em distintos órgãos, como se não fosse para o mesmo projeto. Um exemplo claro é o da ferrovia, que foi apresentada para o IBAMA e o ICMBio”, denuncia.
Assim, a Vale consegue com mais facilidade, rapidez e sem muita divulgação a liberação da obra. Isso porque, segundo Martins, “a aprovação órgão a órgão é mais rápida e o relacionamento fica mais fácil, é mais silencioso em relação aos impactos de seus projetos. É tudo o que ela quer: agir sem muito alarde com rápidas aprovações dos órgãos competentes”.
As artimanhas da empresa não param por aí. Outro argumento utilizado, denunciado pelo advogado da entidade Justiça nos Trilhos, Danilo Chammas, é que a Vale apresenta a obra como se fosse realizada apenas na faixa de concessão de seu domínio. “Ela utiliza o parágrafo do Conselho Nacional do Meio Ambiente [Conam] 349 de 2004, que fala dos empreendimentos ferroviários considerados de pequeno porte, quando as obras estão dentro da faixa de domínio existente, sem remoção de população, intervenção de área de preservação permanente ou supressão de vegetação ou área de proteção ambiental”. Mas, segundo já apurado pela entidade, só em Marabá, pelo menos 200 famílias serão removidas, havendo derrubada de casas. “Portanto, o projeto extrapola a faixa concessionária e requer estudos”, cobra Chammas.
Outro caso, que evidencia o desrespeito da mineradora às leis nacionais e internacionais, diz respeito à população quilombola das regiões do Maranhão de Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo. São 257 famílias que estão buscando a titulação do território, tendo o lobby e a oposição da Vale junto aos órgãos públicos contra, tentando a remoção. “A convenção da Organização Internacional do Trabalho [OIT] 169, sobre povos indígenas e tribais, onde se insere o quilombola, determina a consulta prévia às comunidades para todo tipo de obra que os impactarem, pois se eles disserem não à obra, elas não podem ocorrer. Contudo, a Vale menospreza isso”, explica Chammas.
Ludibriar
O modo de negociação da Vale junto às comunidades atingidas, quando não burla as leis, ou fragmenta os processos, busca via judiciais que prejudicam os moradores das regiões atingidas. Em Buruticupu, interior do Maranhão, membros da Justiça dos Trilhos detectaram, que uma prática da Vale tem sido negociar individualmente com moradores contratos com cláusulas confidenciais. Segundo Chammas, isso significa que nada pode ser falado sobre o que foi acordado entre a mineradora e o morador, inclusive para vizinhos ou advogados. Essas cláusulas são problemáticas porque estipulam os preços das terras, sem deixar que as famílias procurem saber o quanto realmente teriam de direito com indenizações.
Martins, do ICMBio, diz que, especialmente em Canaã dos Carajás, onde deverá ser o maior processo de impacto ambiental e social, a população não consegue ter dimensão da situação. “Geralmente essas comunidades não são politizadas e as cifras que são anunciadas na cidade mexem com os moradores, todos querem saber como vão ganhar com a implantação do projeto”, revela.
Um exemplo são os lotes que muitos querem vender à mineradora. “Fica todo mundo querendo vender sua área para Vale, sem perceber o impacto social que isso produz, já que essas famílias terão que ir para a cidade, que, graças ao mesmo projeto da Vale, não dará estrutura para sua sobrevivência digna, algo que eles tinham no campo”, elucida Martins.
Consequências
A implantação do projeto S11D já é considerada uma ameaça ao ecossistema da região. “A savana ferruginosa, típica do local, poderá desaparecer, assim como áreas de preservação permanente”, diz Martins. Além disso, o projeto tornará ainda mais agudos os problemas sociais do entorno, como educação, saúde, saneamento básico, onerando o governo. “Já sabemos que Canaã dos Carajás está no seu limite de abastecimento de água e energia, mas no projeto apresentado pela Vale a nós, não consta investimentos na infraestrutura do município”, acusa Martins.
Para o membro do ICMBio, acontecerá com Canaã dos Carajás o que já prevalece em Parauapebas. “O município pensa a construção de uma escola para determinado número de alunos, mas quando termina o projeto, a quantidade já dobrou. O mesmo acontece com hospitais, transporte etc. A cidade não dá conta do planejamento com tantos projetos realizados pela Vale. Na hora de repartir os ganhos, a mineradora paga hoje R$ 20 milhões por mês à prefeitura de Parauapebas, frente um faturamento diário obtido por ela de 36 milhões de dólares”, compara Martins.
A Vila Sanção, hoje com 17 anos, localizada entre os municípios de Marabá e Parauapebas, é um exemplo concreto dos distúrbios sociais e ambientais causados pelos empreendimentos da Vale, especificamente o projeto Salobo. “O posto policial está construído há mais de um ano, mas não podemos contar com a presença de policiais. Já estamos com problemas de abastecimento de água, que não suporta a atual demanda, e os casos de prostituição infantil se banalizaram por aqui”, pontua Maria do Socorro de Brito, vice-presidente da Associação dos Moradores e Produtores Rurais para o Desenvolvimento Sustentável da Vila Sanção e Região (Amprodesv).
Mas, mesmo enfatizando em seus informes e propagandas que se preocupa com as comunidades onde atua, a Vale ainda não atendeu a diversas solicitações de Brito. “Já foram enviados vários ofícios para a mineradora, exigindo que sejam idealizadas e colocadas em prática políticas públicas voltadas para os jovens e adolescentes da Vila, mas até agora nada”, conta.
A prostituição, sobretudo a infantil, vem sendo a principal consequência dos projetos implantados pela mineradora, nas cidades que estão no corredor de Carajás. Para o também membro da Justiça nos Trilhos, Antonio Soffientini, a Vale sabe os problemas que causa: “aumento de prostituição, exploração de adolescentes e crianças, além da proliferação de doenças sexualmente transmissíveis”. “Tanto é que em Bom Jesus da Selva, município maranhense onde se instalará um canteiro de obras da duplicação da ferrovia, com a chegada de 2 mil homens, a Vale planeja dar aula de educação sexual para os trabalhadores, na tentativa de minimizar os problemas, embora seja difícil”, elucida.
Fonte: Jornal Brasil de Fato
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