
Alves Filho também vê nessa primeira identidade do Jeca Tatu o produto de estereótipos típicos de um proprietário rural na Primeira República. Lobato se utilizaria desses estereótipos como ironia, como modo de chamar atenção para a miséria da população do campo. Mas, ao mesmo tempo responsabilizaria o agregado pelo atraso brasileiro. Por isso retratava o umberava como agregado, preguiçoso, irresponsável, predador e avesso à civilização.
Com o Jeca, Lobato critica também o fato de a elite brasileira sempre se enredar por determinações exógenas em detrimento das endógenas, fato que teria dado origem a uma visão distorcida do homem e da identidade brasileira. Segundo ele, esse tipo de visão encobriria a corrupção dos sistemas eleitorais e a condição de vida miserável das populações do interior.
A primeira metamorfose sofrida pelo “Piraquara do Paraíba” na imaginação de seu criador foi em 1918. O Jeca Tatu, que tinha sua identidade construída a partir da ótica de um dono de terras a respeito da população pobre do campo brasileiro, considerado um inadaptável à civilização, passava a ser vítima dela. Nessa época Lobato pediu perdão ao Jeca, por tê-lo ignorado como um doente, na epígrafe de Problema vital (1918). Neste livro, influenciado pelo contato com as propostas de intelectuais que fomentavam a campanha feita entre os anos de
Segundo Alves Filho, o objetivo de Monteiro Lobato
O Jeca doente de Problema vital se transformou no Jeca subdesenvolvido, a partir da comparação que Lobato estabeleceu entre Brasil e Estados Unidos – durante a época em que morou neste país, entre 1927 e 1931. Impressionado com a riqueza daquela nação, passou a ver a industrialização como a mola propulsora do progresso. Foi nesta fase da vida de Lobato que, em sua imaginação, o Jeca apareceu não apenas como a identidade do caipira, mas também como a do brasileiro
Contudo, em seu livro As metamorfoses do Jeca Tatu: a questão da identidade do brasileiro
Com mais ou menos letras, mais ou menos roupas, na Presidência da República sob o nome de Wenceslau ou na literatura com a Academia Brasileira de Letras, no comércio como na indústria, somos todos uns irredutíveis Jecas. O Brasil é uma Jecatatuásia de oito milhões de quilômetros quadrados (Alves Filho, 2003).
Em 1947 aconteceu a última metamorfose do Jeca na imaginação de Monteiro Lobato. “O Zé Brasil” o título de um conto que foi criado após os seis meses que literato passou preso em uma “casa de detenção”. Ele foi condenado a cumprir pena por denunciar que o governo de Getúlio Vargas teria privilegiado a Standard Royal Dutch em detrimento das iniciativas nacionais de encontrar petróleo. Na prisão, Lobato conheceu José Crispin, um modesto operário que havia sido preso, acusado de ser comunista. Nessa época o escritor também ficou amigo de Caio Prado Júnior, estudioso marxista, e de Luís Carlos Prestes, líder comunista.
Para Alves Filho, nesse período Monteiro Lobato deixou de responsabilizar o trabalhador rural pelo atraso de nossa sociedade e passou a apontar as atitudes das classes dominantes, vinculadas à estrutura fundiária do país, como fatores causais do nomadismo e da pauperização do agregado: a partir daí o Jeca transfigurou-se
Esta é a trajetória literária do Jeca na obra de Monteiro Lobato. Ela retrata o modo como o literato via o caipira, o povo brasileiro e os problemas do país. Já itinerário do Jeca Tatu no imaginário social diferente. Aluízio Alves Filho a qualifica como uma “casca vazia”; trata-se de uma fórmula que pode ser retomada a qualquer momento, ilustrando as diferentes situações do homem e da cultura brasileira. Contudo, existiria em todas as construções do senso comum um traço ideológico constante: a representação do caipira haurida do estereótipo da preguiça, ou seja, como um tipo humano avesso à civilização capitalista; a imagem do brasileiro como um povo antiempreendedor.
O elemento fundamental dessa construção simbólica seria o contraste, de início, com a classe latifundiária e, mais tarde, com os países desenvolvidos capitalistas, em especial os Estados Unidos da América. Alves Filho considera que esse tipo de representação responsável pela permanência do Jeca no nosso imaginário social é uma elaboração típica de uma sociedade subdesenvolvida, dependente de capital estrangeiro e rigidamente estratificada em classes, com uma acentuada concentração de renda e poucas possibilidades de mobilidade social vertical.
Esse suposto hiato a que nos referimos, entre as intenções do neto do barão de Tremembé e as construções do imaginário social, seria causado pela progressiva separação de Lobato em relação às crenças médias e aos padrões derivados de sua situação de classe original de proprietário de terras. As metamorfoses produzidas por Lobato em seu personagem Zé Brasil, a última identidade do Jeca Tatu, estariam ausentes do imaginário social. E isso ocorre devido à posição subalterna ocupada pelo caipira na estrutura produtiva de nossa sociedade, impedindo que ele assuma as feições positivas daquele responsável pela modernização de nossa economia e de nosso país.
É importante ressaltar que Aluízio Alves Filho emprega o conceito de ideologia frisando sua função de justificar a exploração e a desigualdade. A ideologia dominante burguesa condiciona a atitude e o modo de pensar de todas as classes da sociedade em que é produzida. Esta seria, portanto, a razão apontada por ele para o hiato existente entre a intenção de Monteiro Lobato e a imagem do brasileiro e do caipira conforme veiculada pelo senso-comum.
A imagem do brasileiro e do caipira Jeca Tatu no nosso imaginário social foi tecida e montada em torno do estereótipo da preguiça. Ela seria, portanto, uma representação ideológica da classe latifundiária vinculada aos setores exportadores. Já Monteiro Lobato, ao contrário, à medida que se conscientizava das reais condições econômicas e sociais do Brasil, se distanciou da estética e dos valores da classe latifundiária à qual pertencia. Por isso, com o tempo, abriu-se um hiato entre o Jeca Tatu como criação da imaginação do literato e o Jeca Tatu construído e mobilizado pelo imaginário social. Com este último, a sociedade brasileira racionalizaria desigualdades socioeconômicas internas e externas, através de binômios subjetivos como responsabilidade / irresponsabilidade e labor / preguiça.
Aluízio Alves Filho chama atenção ainda para o fato de que o Jeca Tatu permanece no imaginário social como identidade nacional porque remete à bondade do povo brasileiro. Na representação ideológica das classes subalternas, não importam os defeitos que possam ser atribuídos ao povo brasileiro porque, este é essencialmente bom. O arquétipo do Jeca Tatu alimentaria assim o mito da bondade e ingenuidade como essências nacionais. Essa construção derivaria do preceito rousseauniano que associava bondade e natureza. O homem selvagem é bom. O Jeca caipira, por viver em contato a natureza, também é bom. O tipo construído por Lobato sustentava desse modo a crença na alma rural do homem brasileiro e na sua bondade.
O nome Jeca possui um forte apelo emocional dada a empatia que o povo brasileiro sente por essa designação, fato que também contribui para a permanência simbólica do Jeca Tatu no imaginário social. Alves Filho afirma que a empatia é originada no fato de o nome “Jeca” ser corruptela de “Zeca”, tratamento coloquial, íntimo e carinhoso de José. Pela identificação com José, Zé ou Zeca o nome “Jeca”, induz a pensar a figura-tipo construída por Lobato como alguém íntimo, querido e bom.
Fonte:
http://humordarwinista.blogspot.com
Comentários
Postar um comentário