Já foi pior a situação, mas o eleitorado brasileiro ainda precisa evoluir politicamente, se pretender mudar o quadro de desmandos e abusos hoje observado; o humor é um recurso "interessante" na cobertura das atividades do Congresso e o risco da censura ainda insiste em se fazer presente. As colocações são do jornalista Alexandre Garcia, cuja coluna "Poder e Política" passou a ser transmitida ontem pela rádio Cruzeiro FM. Em pouco mais de um minuto, Garcia analisa, em suas intervenções, o cotidiano das chamadas esferas do poder. São duas as participações que ele faz no noticioso que vai ao ar em duas vezes por dia: das 6h às 9h, e das 18h às 19h.
Porta voz da Presidência da República no governo Figueiredo, apresentador do Jornal Nacional e do Bom dia Brasil, Garcia conversou com o Mais Cruzeiro. Na entrevista, falou do episódio que envolveu o senador Roberto Requião (PMDB-PR) que, depois de ter tomado o gravador das mãos de um repórter e apagado a gravação, disse ter sido vítima de "bullyng" por parte da imprensa. "Nem na época da ditadura, houve tanta truculência", comentou. Confira:
P - Pode haver convivência harmoniosa entre jornalismo e política?
R - Deveria haver, mas não é o que se observa na prática. Isso mais pela falta de compreensão dos representantes eleitos, do que pela postura dos órgãos de comunicação. Está assegurado na Constituição que a atividade legislativa, até por seu caráter público, deve se orientar pelo princípio da transparência. Da mesma forma, os repórteres que cobrem, investigam, devem ter total liberdade para trabalhar. Tudo, então, fica no campo da interpretação do dispositivo constitucional. É obrigatório haver transparência.
P - Tem se falado muito em censura ao trabalho da imprensa ultimamente. O risco de cerceamento do trabalho jornalístico é real?
R - O risco da censura parece não querer nos deixar. Ele está sempre por aí como que alertando, querendo impedir a transparência. Tome-se o exemplo da opacidade do Senado, pela qual se tentou esconder que ocorreram nomeações de parentes, correligionário, até o caso de pagamento, a cargo de empreiteiras, de pensão alimentícia devida por senador (Alexandre Garcia refere-se ao episódio Renan Calheiros). Eu sinceramente espero que esse risco deixe de existir. Que se possa trabalhar com independência. E que a sociedade, sobretudo ela, saiba distinguir e avaliar os políticos que fazem discursos democráticos a favor da liberdade de expressão, mas, que na prática, adotam outra posição.
P - O senador Roberto Requião disse ter sofrido bullyng por parte da imprensa....
R - Roberto Requião é inteligente. Usou o discurso do bullyng em sua defesa, mas, na verdade, errou feio. O repórter que o entrevistou, no começo da semana, fez uma pergunta sobre uso de dinheiro público. Foi um questionamento sério, absolutamente legítimo. A pergunta irritou, ele ficou zangado e, num ato de desespero talvez, tomou o gravador das mãos do jornalistas e, não satisfeito, ainda desfez a gravação. Esse foi um ato de censura! Houve, claramente, exagero. Não era para tanto assim. Eu estava tentando lembrar se alguma vez isso ocorreu, e posso assegurar que nem durante o período da ditadura houve tanta truculência. Isso é preocupante e torna a situação ainda mais grave. Qualquer tentativa de cerceamento ao livre trabalho da imprensa é uma afronta à sociedade.
P - Você comandou durante anos um programa de crônicas, no qual apontava as gafes dos congressistas. O uso do humor na cobertura política pode ajudar a sociedade a entender melhor o que ocorre nas chamadas esferas do poder?
R - Existe uma frase latina, de cujo autor, um dramaturgo, eu não me lembro o nome, que diz: "Ridendo castigat mores", ou seja, "rindo, se criticam os costumes". Eu entendo que a intervenção dos programas de humor no cotidiano do Congresso não afeta a instituição. O alvo, claro, são as pessoas que estão lá dentro e que nada fazem, ou fazem o que não devem. Logo, merecem, sim, ser questionadas, colocadas em evidência. As crônicas que fiz durante anos na Globo e na Manchete (hoje Rede TV), eram parte de um projeto com outra configuração. Algo menos pretensioso e leve. Mas, não vejo como inconveniente a interferência do humor. É até muito interessante.
P - Ter trabalhado como porta-voz da Presidência da República e na Subscretaria de Imprensa do Palácio do Planalto fez a diferença no seu trabalho? (Alexandre Garcia ocupou cargos na gestão do presidente João Figueiredo).
R - Sem dúvida. Foi uma experiência rica e extremamente importante conhecer a dinâmica, a engrenagem política. Isso, certamente, gerou um acúmulo que hoje faz a diferença no trabalho que desenvolvo.
P - Há quem considere que, atualmente, não existe oposição no Brasil. Tanto assim que alguns partidos cogitam de se unir para mudar o panorama. Isso chega a ser preocupante, do ponto de vista institucional?
R - Pois é. A oposição parece que sente falta dos tempos que tinha nas mãos a administração do Orçamento. Longe do poder, desestabilizou-se e não consegue colaborar para a alternância do comando, medida que, politicamente falando, é extremamente saudável e até necessária. Assistimos, hoje, a uma situação curiosa, no que diz respeito às fusões partidárias, de que tanto se fala. Parece uma reedição do que aconteceu antes mesmo da redemocratização. Tínhamos, então, dois partidos: Arena e MDB. Do primeiro, saiu o PDS, depois o PFL, depois o DEM e, agora, o PSD; já o segundo, tornou-se PMDB, e sua ala dissidente deu origem ao PSDB. Se considerarmos que, lá atrás, na sucessão de Ernesto Geisel, o PMDB apoiou, no Colégio Eleitoral, a candidatura do general Euler Bentes Monteiro na disputa com João Figueiredo, que acabaria vencendo, veremos que essa história de fusão não faz tanto sentido.
P - O eleitorado brasileiro al cançou a esperada maturidade política?
R - Amadureceu, sim, mas ainda precisa avançar mais. Uma socióloga do Paraná produziu estudo sobre as consequências do voto, seu valor e importância. O eleitorado precisa entender que seu poder de escolha é fundamental e determinante. Aí, sim, estaremos perto da maturidade esperada.
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Alexandre Garcia
Fonte: Cruzeiro do Sul
Porta voz da Presidência da República no governo Figueiredo, apresentador do Jornal Nacional e do Bom dia Brasil, Garcia conversou com o Mais Cruzeiro. Na entrevista, falou do episódio que envolveu o senador Roberto Requião (PMDB-PR) que, depois de ter tomado o gravador das mãos de um repórter e apagado a gravação, disse ter sido vítima de "bullyng" por parte da imprensa. "Nem na época da ditadura, houve tanta truculência", comentou. Confira:
P - Pode haver convivência harmoniosa entre jornalismo e política?
R - Deveria haver, mas não é o que se observa na prática. Isso mais pela falta de compreensão dos representantes eleitos, do que pela postura dos órgãos de comunicação. Está assegurado na Constituição que a atividade legislativa, até por seu caráter público, deve se orientar pelo princípio da transparência. Da mesma forma, os repórteres que cobrem, investigam, devem ter total liberdade para trabalhar. Tudo, então, fica no campo da interpretação do dispositivo constitucional. É obrigatório haver transparência.
P - Tem se falado muito em censura ao trabalho da imprensa ultimamente. O risco de cerceamento do trabalho jornalístico é real?
R - O risco da censura parece não querer nos deixar. Ele está sempre por aí como que alertando, querendo impedir a transparência. Tome-se o exemplo da opacidade do Senado, pela qual se tentou esconder que ocorreram nomeações de parentes, correligionário, até o caso de pagamento, a cargo de empreiteiras, de pensão alimentícia devida por senador (Alexandre Garcia refere-se ao episódio Renan Calheiros). Eu sinceramente espero que esse risco deixe de existir. Que se possa trabalhar com independência. E que a sociedade, sobretudo ela, saiba distinguir e avaliar os políticos que fazem discursos democráticos a favor da liberdade de expressão, mas, que na prática, adotam outra posição.
P - O senador Roberto Requião disse ter sofrido bullyng por parte da imprensa....
R - Roberto Requião é inteligente. Usou o discurso do bullyng em sua defesa, mas, na verdade, errou feio. O repórter que o entrevistou, no começo da semana, fez uma pergunta sobre uso de dinheiro público. Foi um questionamento sério, absolutamente legítimo. A pergunta irritou, ele ficou zangado e, num ato de desespero talvez, tomou o gravador das mãos do jornalistas e, não satisfeito, ainda desfez a gravação. Esse foi um ato de censura! Houve, claramente, exagero. Não era para tanto assim. Eu estava tentando lembrar se alguma vez isso ocorreu, e posso assegurar que nem durante o período da ditadura houve tanta truculência. Isso é preocupante e torna a situação ainda mais grave. Qualquer tentativa de cerceamento ao livre trabalho da imprensa é uma afronta à sociedade.
P - Você comandou durante anos um programa de crônicas, no qual apontava as gafes dos congressistas. O uso do humor na cobertura política pode ajudar a sociedade a entender melhor o que ocorre nas chamadas esferas do poder?
R - Existe uma frase latina, de cujo autor, um dramaturgo, eu não me lembro o nome, que diz: "Ridendo castigat mores", ou seja, "rindo, se criticam os costumes". Eu entendo que a intervenção dos programas de humor no cotidiano do Congresso não afeta a instituição. O alvo, claro, são as pessoas que estão lá dentro e que nada fazem, ou fazem o que não devem. Logo, merecem, sim, ser questionadas, colocadas em evidência. As crônicas que fiz durante anos na Globo e na Manchete (hoje Rede TV), eram parte de um projeto com outra configuração. Algo menos pretensioso e leve. Mas, não vejo como inconveniente a interferência do humor. É até muito interessante.
P - Ter trabalhado como porta-voz da Presidência da República e na Subscretaria de Imprensa do Palácio do Planalto fez a diferença no seu trabalho? (Alexandre Garcia ocupou cargos na gestão do presidente João Figueiredo).
R - Sem dúvida. Foi uma experiência rica e extremamente importante conhecer a dinâmica, a engrenagem política. Isso, certamente, gerou um acúmulo que hoje faz a diferença no trabalho que desenvolvo.
P - Há quem considere que, atualmente, não existe oposição no Brasil. Tanto assim que alguns partidos cogitam de se unir para mudar o panorama. Isso chega a ser preocupante, do ponto de vista institucional?
R - Pois é. A oposição parece que sente falta dos tempos que tinha nas mãos a administração do Orçamento. Longe do poder, desestabilizou-se e não consegue colaborar para a alternância do comando, medida que, politicamente falando, é extremamente saudável e até necessária. Assistimos, hoje, a uma situação curiosa, no que diz respeito às fusões partidárias, de que tanto se fala. Parece uma reedição do que aconteceu antes mesmo da redemocratização. Tínhamos, então, dois partidos: Arena e MDB. Do primeiro, saiu o PDS, depois o PFL, depois o DEM e, agora, o PSD; já o segundo, tornou-se PMDB, e sua ala dissidente deu origem ao PSDB. Se considerarmos que, lá atrás, na sucessão de Ernesto Geisel, o PMDB apoiou, no Colégio Eleitoral, a candidatura do general Euler Bentes Monteiro na disputa com João Figueiredo, que acabaria vencendo, veremos que essa história de fusão não faz tanto sentido.
P - O eleitorado brasileiro al cançou a esperada maturidade política?
R - Amadureceu, sim, mas ainda precisa avançar mais. Uma socióloga do Paraná produziu estudo sobre as consequências do voto, seu valor e importância. O eleitorado precisa entender que seu poder de escolha é fundamental e determinante. Aí, sim, estaremos perto da maturidade esperada.
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Alexandre Garcia
Fonte: Cruzeiro do Sul
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