Estado de Carajás: A quem interessa a divisão do Pará?

Márcio Zonta
de Marabá (PA)

Uma chuva atípica em pleno verão amazônico fez a cidade de Marabá receber um frescor especial na manhã posterior à divulgação do plebiscito que pode dividir o estado do Pará.
No dia 11 de dezembro de 2011, os paraenses vão decidir se aceitam a divisão do estado em “Pará remanescente”, o estado de Tapajós e o de Carajás.
Se a chuva refrescou a cidade, que nesse período do ano chega a ter uma temperatura de aproximadamente 40 graus, com a notícia do TSE os marabaenses esquentaram ainda mais em debates fervorosos, que perpassam a universidade, as mesas de boteco e as reuniões dos movimentos sociais da região.

Esperança e desconfiança
Na capital do eventual estado de Carajás, Marabá, que em menos de cem anos mudou seu cenário de uma vasta floresta para construção de seu primeiro shopping, e, atualmente, vê a maioria de suas ruas fétidas com esgotos a céu aberto, a esperança e a desconfiança dividem a opinião das pessoas sobre a criação da nova unidade federativa.
“Meu voto é sim, embora não esteja confiante. Pode ser uma utopia nossa achar que com a divisão do estado, o sul do Pará vai melhorar em educação, saúde e transporte”, disse a estudante Nilce Silva do curso de pedagogia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Sua colega de curso, Cecília Guimarães é mais incisiva. “Meu voto é sim, na esperança de uma melhor distribuição de renda”, afirmou.
Ainda andando pelo Tapiri – uma imensa oca que fica na parte central da UFPA de Marabá – percebe-se realmente que o assunto principal dos estudantes não são os trabalhos acadêmicos. Ali, opiniões contrárias à criação do estado surgem. “Sou contra a divisão, isso só vai centralizar poder a um grupo de políticos da região”, diz a estudante do curso de Educação do Campo Claudenir Assunção.

Extrapolando os muros da universidade, o vendedor ambulante Marcelo Vieira, num andar apressado, suado e oferecendo aos banhistas na praia DVDs e CDs piratas com bandas de melody, um ritmo musical da região, ao ser perguntado sobre a divisão do estado pensa e diz: “moço, eu sou contra, vai ser mais político para roubar”.
Já o açougueiro Odvam Lopes, entre uma martelada e outra para desossar uma peça de carne, diz rapidamente: “Sou a favor da divisão, vai melhorar nossas estradas e vêm mais empregos para nós”. Sobre Tapajós, a esperança também vem à tona e o assunto também dita o ritmo de Belterra, cidade que fica a 45 km da possível futura capital Santarém. “Na realidade o que a gente fica recebendo aqui são migalhas que vêm do Estado, do governo do estado lá em Belém.”, reclama o aposentado Sergival Pantoja.
“Há uma distorção na distribuição de verbas para questões públicas e de infraestrutura. Essa divisão é necessária tanto para Tapajós quanto Carajás”, diz Wilson Teixeira, assistente social e historiador, membro da comissão de articulação e mobilização da campanha pró Carajás e Tapajós.

Para quê? E para quem?
Mas se a esperança e a desconfiança estão presentes nas ruas, para muitos, antes de qualquer debate precisa-se perguntar quem seriam realmente os principais interessados na divisão do estado do Pará. Residente em Marabá, Rogério Paulo Hohn, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) discorda da forma como vem sendo abordado o assunto. “Em vez de dizermos se somos favor ou contra, temos que discutir: Carajás e Tapajós para quê? E para quem? Num debate muito mais político”.
Sentado numa mesa do Tapiri, o professor do departamento de sociologia da UFPA Cloves Barbosa remete à história do estado paraense para elucidar a alguns alunos sobre os interesses inclusos nessa divisão. “Esta região já passou por fragmentações e fusões desde a época do império, tanto português, quanto nacional com os governos de Pedro I, Pedro II e Princesa Isabel. No início, o território que hoje é denominado de estado do Pará já fez parte da província do Grão-Pará. Esta província abrangia os estados do Maranhão, do Pará e do Tapajós. A reorganização territorial da República, e mesmo antes, redimensionou os territórios e chegou-se à atual configuração geopolítica”.
E diz aos alunos que tem verdadeira clareza sobre os que querem fazer a divisão do estado. “É uma fração da classe composta pelas pessoas que exercitam o agronegócio. A razão para isto é que as exportações brasileiras vêm enfrentando uma série de restrições, principalmente da região do euro, que é composta de boa parte de pessoas que são sensíveis às questões ecológicas e fitossanitárias”. Com a criação, especificamente do estado de Carajás, o professor diz que seria uma forma de isentar preocupações com os impactos de suas atividades sobre a fl oresta amazônica. “Estes agentes poderão dizer que no estado de Carajás não existem mais remanescentes de floresta nativa, e que a região é de pastagens e de extrativismo mineral. Trata-se, portanto, de um negócio puramente burguês”, explana.

Vale e Dantas
Falando em mineração, a principal transnacional da região, a Vale, isenta-se de qualquer debate sobre o assunto, e por e-mail apenas respondeu a reportagem: “Não temos comentários sobre este assunto”. Mas Barbosa alerta, “pode ser que seja mais fácil para a empresa realizar negociações com um estado iniciante e necessitando de recursos do que com uma máquina administrativa estabelecida e que apresenta seus interesses específicos já bem definidos”.
Mas nem só a Vale poderá ser beneficiada com o surgimento de duas novas federações. O grupo Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas, seria um dos principais interessados, sobretudo, na criação de Carajás. Segundo relata o diretor regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Jandir Merla, Marabá seria uma capital provisória e a capital definitiva seria construída entre os municípios de Eldorado dos Carajás, Xinguara, Sapucaia e Rio Maria. “É justamente nessa faixa do estado paraense que Dantas mais comprou terras nos últimos tempos, vejo o gado como fachada, pretexto. Para mim, o grupo de Dantas por ser muito forte teve informações privilegiadas e sabia que a nova capital de Carajás poderia ser construída naquela região”, diz.

Tanto que parte dessas terras de Dantas, no momento litigado pelo Incra, para desapropriação para fi m de reforma agrária, é negada veementemente pelo grupo de advogados que defende o banqueiro. “O grupo Santa Bárbara oferece outras terras que estão fora dessa área, mas essas ele não aceita vender para o Incra”, revela Merla.
Vai caindo a noite em Marabá. Antes de o professor Cloves levantar-se para ir embora, dá o último aviso aos alunos: “trata-se de uma grande jogada, e que, se vitoriosa, exigirá que os trabalhadores do campo e da cidade repensem e redimensionem as suas lutas por um mundo igualitário”.

Mais sobre o assunto: Dalmo Dallari defende votação nacional Plebiscito para divisão do Pará deve ter a participação de toda a população do estado, decide STF

Fonte: correiodobrasil.com.br

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