Quando o Rio foi capital do mundo!

Encontro de líderes na ECO-92 (Foto: Oscar Cabral/15-06-1992)O dia 11 de junho de 1992 amanheceu diferente. As ruas estavam ocupadas por 15 mil homens do Exército ostentando fuzis. Tanques foram posicionados ao longo de vias expressas. O espaço aéreo ficou restrito a voos oficiais e de rota comercial. As escolas suspenderam as aulas. O governo decretou ponto facultativo. Peças de teatro foram canceladas e emissoras de TV suspenderam gravações de novelas. O aparente estado de sítio foi a medida adotada para garantir a segurança dos 108 chefes de estado — presidentes, primeiros-ministros, emires, ditadores e monarcas das mais diferentes nações — que circulariam pelo Rio na ECO-92. Um decreto presidencial determinava que, depois de 62 anos, o Rio voltava a ser a capital do Brasil — pelo menos por alguns dias. Durante quatro dias, eles se reuniriam para definir rumos para uma sociedade global mais justa e sustentável. Era a última etapa das negociações travadas desde o dia 3 daquele mês por milhares de diplomatas e membros de delegações de 172 países em salas montadas nas dependências do Riocentro, na zona oeste da cidade.


Quando os chefes de estado começaram a desembarcar, os principais documentos a serem produzidos pela Eco 92 — A Convenção sobre Biodiversidade, a Convenção sobre Mudança Climática, a Agenda 21 e a Declaração do Rio — já estavam escritos e havia consenso sobre a maior parte do conteúdo. Mas alguns pontos fundamentais ficaram para a decisão dos líderes.




Pelo menos três questões contribuíam para as olheiras dos diplomatas, que entravam as madrugadas em negociações infindáveis. A primeira delas era o financiamento para os projetos ambientais da Agenda 21. O documento, que estabelecia diretrizes para as políticas internacionais rumo ao desenvolvimento sustentável, implicaria no comprometimento dos países desenvolvidos de atrelar 0,7% do seu PIB até o ano2000 aprogramas que promoveriam os esforços previstos na agenda. A proteção das florestas tropicais era outro ponto conflitante. Malásia, Índia e Paquistão, preocupados com a soberania de suas florestas e, principalmente a primeira, com o lucro das exportações de madeira, eram contrários a um documento que os limitasse. A terceira questão não deixava por menos. Os países travavam uma batalha — que perduraria pelos próximos 20 anos — para a definição de metas para reduzir a emissão de gases causadores do aquecimento global.


Enquanto os integrantes do então chamado G-77, o grupo dos países subdesenvolvidos, salivavam com a possibilidade de um acordo para o financiamento da Agenda 21 — a ONU esperava gerar por ano 128 bilhões de dólares com a medida — para investimento no terceiro mundo, detentor da maior parte da flora e fauna naturais, circulava pelas ruas uma limusine blindada de sete toneladas. Era o carro oficial do vilão da conferência, presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), em campanha pela reeleição. Bush ganhou a alcunha por ser contrário às principais propostas da Eco 92, visto como inimigo do meio ambiente. Naquele ano, ele acabou derrotado pelo democrata Bill Clinton – aguardado para a Rio+20.


Enfrentando um período de recessão em casa e encaminhando sua campanha para a reeleição Bush só veio ao Rio depois que seus diplomatas conseguiram retirar da Convenção sobre Mudança Climática todo e qualquer parágrafo que fizesse com que os americanos se comprometessem com metas ou dinheiro para a redução da emissão de poluentes. Para piorar a sua situação, o Japão, então a segunda maior economia do mundo, e a Comunidade Europeia (então com 12 países membros) comunicaram que iriam assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica, deixando os EUA, maiores poluidores do planeta, isolados.


Bush não se comoveu. Dedicou-se, durante a conferência, a cobrar de países de terceiro mundo a preservação de florestas tropicais e repetiu que não se comprometeria com qualquer medida ambiental que afetasse a economia do seu país. Em discurso na cúpula, não demonstrou arrependimento: “Não é fácil ficar só por princípio. Mas algumas vezes, a liderança leva a isso”.


Em quatro dias, a cúpula de líderes não encontrou solução para as poucas — mas fundamentais — divergências e as concessões transformaram a conferência em um vácuo de ações concretas. Os países desenvolvidos não concordaram com a meta de atrelar 0,7% do seu PIB para projetos ambientais até2000. AConvenção sobre Biodiversidade ficou sem a assinatura do detentor da maior indústria biotecnológica do mundo, a americana, que via o acordo como uma ameaça à propriedade intelectual. A Convenção sobre Mudança Climática incluiu os Estados Unidos, mas não estipulou metas e não contou com compromissos jurídicos. As ações efetivas das convenções foram deixadas para acordos futuros a serem realizados em conferências dos países signatários — o que se provou ineficiente, pois metas para emissões de gás e acordos biotecnológicos concretos ainda não entraramem vigor. Ainda, sob o lobby dos países liderados pela Malásia, o que era para ser a convenção sobre a proteção às florestas virou uma mera declaração de princípios.


Nem a iniciativa da Comunidade Europeia e do Japão de investir aproximados 10 bilhões de dólares em projetos ambientais, muito aquém do valor necessário estimado pela ONU, nem o anúncio unilateral de última hora de alguns países em direção ao estabelecimento de metas para reduzir emissões de gases fizeram muito para amenizar a impressão de que a Eco 92 não passou de um compêndio de boas intenções sem compromissos práticos.


Mas as intenções em si já eram históricas. Vinte anos passados da Conferência de Estocolmo, que deu início ao diálogo internacional em relação ao meio ambiente, as ideias estavam amadurecidas. O Relatório Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, foi um documento chave para a conscientização mundial em torno da preservação e utilização adequada dos recursos da Terra. Era a pedra fundamental para a aceitação do conceito de desenvolvimento sustentável.


A Eco 92 sacramentou a ideia. Pela primeira vez, o comprometimento político internacional em torno do tema foi formalmente atestado em dois documentos da conferência, a Declaração do Rio e a Agenda 21. Através deles, os governos admitiram que as políticas de hoje deveriam se preocupar de forma igual com as gerações presentes e futuras. Reafirmaram a importância da proteção à atmosfera, às florestas, à biodiversidade e aos ecossistemas. Admitiram a necessidade de uso sustentável dos recursos naturais, do solo, da água doce, dos oceanos e dos mares. Declararam fundamentais o combate à miséria e o controle demográfico.


Para quem esperava grandes iniciativas que colocassem tudo isso em prática, o encontro do Rio acabou sendo mais coerente com o ritmo lento dos mecanismos da ONU do que com a urgência reivindicada pelas previsões catastróficas mais radicais. Mas a ideia estava lá. O mundo poderia ser exatamente o mesmo quando os aviões oficiais decolaram do Rio, devolvendo à cidade sua rotina de insegurança e desigualdade. Mas pensava diferente.


Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/acervo-digital/politica/quando-o-rio-foi-a-capital-do-mundo/

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