Comer em 2030 pode ficar caro

Secas e enchentes devem duplicar os preços de alimentos básicos, como arroz, milho e trigo, prevê um novo estudo da ONG britânica Oxfam; países pobres serão os mais afetados

Se nada for feito para reduzir as emissões dos gases efeito estufa e mitigar as mudanças climáticas, os preços de alimentos básicos no mercado internacional podem dobrar nos próximos 20 anos, advertiu a ONG britânica Oxfam. Em um novo estudo, intitulado Clima extremo, preços extremos: o custo de alimentar um mundo em aquecimento*, a organização não governamental sustenta que os efeitos de aquecimento global sobre a produção agrícola é "subestimada" pelos governos mundiais, que ignoram as consequências nefastas de fenômenos rigorosos, como estiagens e enchentes, sobre o preço das commodities que estão na base da indústria alimentícia, caso do milho, trigo e arroz.

"Como demonstra a seca que castiga os EUA, eventos climáticos extremos são traduzidos em preços de alimentos extremamente altos", diz o texto. A estiagem severa afetou a produção das lavouras do país, maior produtor de grãos do mundo, que levou ao aumento de 10% no preço global dos alimentos, segundo a FAO. A situação é de alerta. Recentemente, a agência para alimentação da ONU, alertou que os líderes globais precisam realizar uma rápida ação coordenada para garantir que os choques de preços não se transformem em uma catástrofe que afete dezenas de milhares de pessoas nos próximos meses.

No longo prazo, a situação também preocupa. Segundo a Oxfam, a escalada dos preços dos alimentos é uma questão de vida e morte para as populações que vivem em países em desenvolvimento e que gastam até 75% de sua renda para conseguir comer. "Quando tenho fome, faço um caldo para mim e para meus filhos. Se não for possível, bebemos água e vamos dormir", disse à ONG, Adjitti Mahamat, um morador de Chade, país africano onde 3,6 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar devido à pobreza crônica e à seca, que, em cinco anos, fez o preço dos alimentos aumentarem de 30 a 60%. Para os mais vulneráveis, os aumentos extremos e repentinos nos preços podem ser mais devastadores do que a elevação gradual no longo prazo, o que lhes daria mais tempo e opções para se adaptar, salienta o estudo.

"E SE..." A pesquisa da Oxfam desenvolve várias hipóteses sobre o impacto de eventos climáticos extremos em 2030 em cada uma das principais regiões exportadoras de arroz, milho e trigo no mundo. Confira a seguir algumas hipóteses levantadas
1 - Crise na América do Norte
Uma seca na América do Norte, semelhante em magnitude à seca histórica de 1988, a pior já registrada no país até agora, poderia aumentar os preços de exportação de milho no mercado mundial em 140% e do trigo em 33% até 2030. "Estima-se que em 20 anos, 57% das exportações de trigo mundial e 44% do milho virão da América do Norte. Uma crise desta magnitude no ‘celeiro do mundo’ poderia prejudicar países em desenvolvimento", diz o estudo.
Segundo as projeções, os preços do milho e do trigo no mercado interno da China poderiam aumentar, respectivamente, 76% e 55%. Já na América Central e do Sul, os mesmo alimentos poderiam subir 80% e 55%.
2 - Crise na África
De acordo com a Oxfam, em 2030, mais de 95% do milho e outros grãos consumidos na África sub-saariana deverão ter como origem a própria região. "É provável que as crises locais causadas por eventos climáticos extremos podem ter efeitos devastadores sobre a produção, os preços e, em última instância, os níveis de consumo", diz o estudo. A ocorrência de uma grave seca na região, com uma magnitude semelhante a que ocorreu em 1992 (que levou a pior safra de milho), aumentaria o preço médio de consumo do milho e outros cereais secundários em 50%.
3 - Crise na Índia e Sudeste Asiático 
A ocorrência simultânea de colheitas ruins na Índia e no Sudeste Asiático poderia ter um impacto grande no processamento de arroz, aumentando o seu preço médio de exportação no mercado mundial em 25% no ano de 2030. Para estimar essa quedas na produção, a Oxfam considerou como base a seca extrema que atingiu toda a Índia em 1979 e as inundações que castigaram em massa o Sudeste asiático em 1980. De acordo com o modelo, uma crise simultânea na Índia e no Sudeste Asiático em daqui a 20 anos poderia significar um aumento de 43% no preço do arroz no mercado nacional da Nigéria, atualmente o país mais populoso da África.

FORTIFICANDO O SISTEMA
Ainda de acordo com a ONG, essa pesquisa representa uma tentativa de analisar como eventos climáticos extremos podem afetar os preços dos alimentos, se medidas urgentes não forem tomadas para reduzir as emissões. No entanto, ressalva a Oxfam, nenhum dos cenários apresentados é inevitável. "Está em nossas mãos a possibilidade de mudar e fortalecer o nosso sistema alimentar, especialmente para consumidores e produtores mais pobres".

Reverter décadas de falta de investimento na agricultura sustentável e resiliente nos países em desenvolvimento pode aumentar a produtividade regional e ajudar a garantir alimentos ao aumento da população. Outra frente de ação, segundo o estudo, é preparar as comunidade mais carentes a lidar com desastres extremos, a fim de reduzir a vulnerabilidade das pessoas e desenvolver a sua resistência a esses eventos. E, caso o pior aconteça, "esforços mundiais e regionais coordenados poderiam ajudar os mais vulneráveis a lidar com crises recorrentes".

Planeta Sustentável

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