ÍNTEGRA: Entrevista com Dr. Enéas, enquanto candidato à presidência em 1994
As idéias para o Brasil de Enéas Carneiro na campanha eleitoral de 1994 para presidente da República
Heródoto Barbeiro: Boa noite. O Roda Viva entrevista hoje mais dois candidatos à Presidência da República: o doutor Enéas Carneiro, do Prona [Partido de Reedificação da Ordem Nacional], e Luís Inácio Lula da Silva, da coligação liderada pelo PT [Partido dos Trabalhadores]. Nós estamos completando, assim, a série especial do Roda Viva que entrevista todos os candidatos à presidência da República do Brasil. No centro do Roda Viva que começa agora está o candidato Enéas Carneiro, do Partido de Reedificação da Ordem Nacional. Nascido em Rio Branco, estado do Acre, Enéas Carneiro só foi registrado nove anos mais tarde, em Belém do Pará. Órfão de pai desde os nove anos, sempre trabalhou para ajudar a família. Aos 19 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro em busca do sonho de formar-se em medicina. Ingressou então na Escola de Saúde do Exército, onde se graduou terceiro sargento auxiliar de anestesia, em 1959. Formou-se em medicina em 1965 e tem mestrado em cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É formado também em física e matemática. Sua estréia na política foi em 1989, quando fundou o Partido de Reedificação da Ordem Nacional e lançou-se candidato à Presidência da República. Com apenas 15 segundos no horário gratuito de televisão em 1989, tornou-se célebre com a frase “Meu nome é Enéas” e obteve mais de 360 mil votos, conquistando o 12º lugar nas eleições daquele ano. De volta à política, novamente como candidato à Presidência, Enéas Carneiro disporá agora de mais de um minuto no horário gratuito da televisão. Para entrevistar o nosso candidato de hoje, o doutor Enéas Carneiro, está aqui o jornalista Fernando Mitre, diretor-executivo do Jornal da Tarde; o jornalista Josemar Gimenez, chefe da redação da sucursal paulista do jornal O Globo; Clóvis Rossi, que é repórter e colunista da Folha de S. Paulo; o José Paulo Kupfer, editor-chefe da sucursal paulista do jornal Zero Hora; Rui Xavier, coordenador de política do jornal O Estado de S. Paulo; e o jornalista Ibsen Spartacus, chefe de reportagem do Jornal do Brasil, também sucursal de São Paulo. O Roda Viva é retransmitido por 23 emissoras de televisão de todo o país. E você pode participar desse programa pelo telefone (011) 252-6525. A Shizuka, a Cristina e a Ana estão anotando as suas perguntas; se você preferir o nosso fax, é o (011) 874-3454. Doutor Enéas, boa noite!
Enéas Carneiro: Boa noite!
Enéas Carneiro: Boa noite!
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, a nossa primeira pergunta a todos os candidatos à Presidência da República do Brasil. O senhor obviamente tem acompanhado, aí, a evolução das pesquisas eleitorais. E, em alguns estados, o senhor está até empatado tecnicamente com outros candidatos que são políticos profissionais. Em função disso, qual é a estratégia do senhor daqui para a frente, em busca de uma passagem para o segundo turno e para a eleição para presidente da República do Brasil?
Enéas Carneiro: Muito obrigado ao senhor e a todos os senhores pela presença e aos telespectadores. A única estratégia que eu me permito usar é falar através dos meios de comunicação. Eu não creio que, para ser atingido um universo como o da população brasileira, de cerca de 150 milhões de pessoas, possa existir uma outra estratégia. Exatamente isso.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, o senhor vai continuar usando o bordão “Meu nome é Enéas”, que eu acabei de ler aqui no perfil do senhor?
Enéas Carneiro: Ainda não defini isso, uma vez que, para dizer essa expressão - que é o meu nome, mesmo -, eu levo cerca de dois segundos. Eu, quando tinha 15 segundos, gastava dois. Se usar de novo, gastarei dois dentro de um minuto, que será um tempo bem menor do que o total.
Heródoto Barbeiro: Josemar Gimenez.
Fernando Mitre: O senhor enfatiza muito... desculpe.
Heródoto Barbeiro: Josemar, por favor.
Enéas Carneiro: Ah, vira assim não é? [vira a cadeira em direção a Josemar Gimenez]
Josemar Gimenez: Boa noite, doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Boa noite, senhor.
Josemar Gimenez: Eu gostaria de saber o seguinte. É uma preocupação, talvez, de toda a sociedade brasileira. O senhor vem dizendo insistentemente que não precisa de deputado, porque todos não gostam do senhor. Eu queria saber o seguinte: num regime democrático, como é que o senhor pretende governar sem o apoio de deputados, sem o apoio do poder legislativo?
Enéas Carneiro: Há uma distorção aí. Eu não disse que os deputados como um conjunto não gostam de mim. Aliás, é preciso ficar bem claro isso: eu não tenho nada contra nenhum deles em particular. Eu me refiro sempre ao modelo carcomido, putrefato que aí está. Eu falo sempre de um sistema de troca de favores que faz, inclusive, com que candidatos à Presidência da República de um partido aliem-se a um outro partido que tem toda uma tintura ideológica diametralmente oposta. É disso que eu falo é a isso que eu me refiro. Agora, no que concerne a apoio, há pouco tempo atrás, tivemos um presidente da República - sua excelência, o senhor Fernando Collor [presidente da República de 1990 a 1992], que foi eleito por um partido inexpressivo [o Partido da Reconstrução Nacional (PRN)] que nem tinha sido fundado por ele, ao contrário de nós, que fizemos o Prona com suor desde 89, e que tomou medidas extremamente deletérias para a nação - que não tinha maioria e o Congresso se curvou tranqüilamente. Eu não vejo nenhuma dificuldade em governar, desde que as mensagens sejam claras, inequívocas, desde que o - por favor, só terminar -, desde que o Congresso saiba exatamente o que vai ser feito. E haverá uma correspondência biunívoca entre o que vai ser feito e o que está sendo dito, uma vez que há um programa a ser apresentado. Não creio que haja dificuldade, uma vez que os senhores congressistas querem o bem da nação.
Heródoto Barbeiro: Fernando Mitre.
Fernando Mitre: Douto Enéas, o senhor enfatiza muito a questão da disciplina, não é?
Enéas Carneiro: Sem dúvida.
Fernando Mitre: E a questão da autoridade também.
Enéas Carneiro: Sem dúvida.
Fernando Mitre: O senhor é a favor até da inclusão de matérias nos cursos primários que dizem respeito ao amor à pátria, à bandeira, à disciplina social, ao respeito à autoridade etc. O senhor, ideologicamente, se aproxima de algum modelo conhecido? Quer dizer, como é que o senhor se qualificaria hoje?
Enéas Carneiro: Difícil, difícil. Eu posso dizer para... Falar de mim é difícil, vamos falar do modelo do nosso partido.
Fernando Mitre: Certo.
Enéas Carneiro: Aqui, voltando para o senhor, que eu estou conversando com o senhor. O Prona defende um Estado forte, técnico e intervencionista, um Estado que se preocupe realmente com a nação e que não que seja propriedade de um grupo reduzido de políticos. Nós acreditamos que é perfeitamente possível resgatar essa dívida social gigantesca da nossa terra, desde que haja uma mensagem firme e que, por trás da mensagem, haja um lastro de preparo que faça com que o presidente da República não seja um títere, não seja um boneco levado de um lado para o outro na dependência de quem está à sua direita ou à sua esquerda.
Fernando Mitre: O senhor quer um presidente da República mais poderoso do que o que sempre tivemos.
Enéas Carneiro: Não, porque os nossos presidentes da República, por terem sido extremamente incultos - em quase sua maioria, quase a maioria - e por serem homens de personalidade extremamente frágil, têm sido levados para um lado e para o outro - haja vista o que ocorre agora, recentemente, com sua excelência, o senhor presidente da República [Itamar Franco, presidente de 1992 a 1994], que cede a uma pressão, quando eu quero crer que o chefe da nação deveria agir de um modo firme. Se ele é o chefe, ele deve ter firmeza. Um presidente deve presidir - senão, não é presidente. Um presidente deve ser de fato e não só de direito. Nesse sentido, se o senhor me pergunta... Eu sou um homem de ordem, de autoridade, de respeito. Se o senhor me disser: "o senhor dialoga?" Sim, dialogo sempre. Eu ouço...Por exemplo, se os senhores disserem "o senhor tem um minuto", eu falo um minuto. Se os senhores disserem, eu obedeço as regras. E gosto que haja obediência à lei e à ordem. É assim que eu entendo uma nação civilizada.
Fernando Mitre: O regime militar que foi implantado no Brasil [de 1964 a 1985] se aproximou desse modelo que o senhor entende?
Enéas Carneiro: [começa respondendo normalmente e o tom vai ficando cada vez mais enérgico e dramático à medida que fala] Não. Lamentavelmente, o regime militar esqueceu-se de uma coisa fundamental, que é a formação do cidadão, o investimento no homem. Segunda falha: o regime militar asfixiou a imprensa. E não existe, no Brasil, nenhum partido político que possa - não é só o partido que eu criei e que está hoje, graças a Deus, representado em quase todo o Brasil -, não, não há nenhum partido político que possa ir a todos os rincões e possa saber exatamente o que está se passando na intimidade do poder. Não há partido, nenhum. Então, a imprensa tem que ter liberdade para isso. E ela terá essa liberdade com a nossa chegada, sem dúvida, para fiscalizar aquilo que está sendo feito, pois, se aquilo que nós queremos fazer tem que ser para o bem da nação, imprensa tem que ter. Isso é uma coisa. Outra coisa é a absoluta falta de responsabilidade com que a impressa se comporta atualmente. Por exemplo, cito de modo claro: na capa de uma revista aparecem as três figuras magnas do país - sua excelência, o presidente da República; sua excelência, o presidente do Congresso; sua excelência, o presidente do Supremo Tribunal Federal - vestidos como pessoas do sexo feminino em uma dança. A revista se chama "revista Veja”. Eu não entendo que lucro, que vantagem a nação tem com isso. Estou sendo sincero, com a mesma clareza com que falo sempre. Então, reparem: chamam-me de autoritário; eu digo: "não, eu quero ordem, quero respeito, quero liberdade de expressão". Mas quero responsabilidade, também, e quero crer que não haja nenhum pai de família que goste de, às sete horas da noite, ligar um instrumento, um aparelho de televisão e ver na tela, expostas, [enfatizando as palavras de forma bastante enérgica e dramática] cenas de lascívia; de luxúria; de lubricidade; de sexo quase explícito; que deformam a personalidade e a formação de seus filhos! Eu não acredito que haja nenhum chefe de família lúcido que goste disso.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Essas teses são claras, eu estou repetindo como sempre fiz.
Heródoto Barbeiro: Então, vamos para mais uma pergunta. Antes, apenas, eu quero dizer, Clóvis, o seguinte: que o senhor Guilherme Grimaldi, do Ipiranga [bairro de São Paulo], já usou essa expressão "autoritária", que o senhor mesmo usou agora.
Enéas Carneiro: Todos usam.
Heródoto Barbeiro: Clóvis Rossi.
Clóvis Rossi: Não sei, pelas entrevistas anteriores que eu li do senhor, se houve alguma situação - o senhor me corrija...
Enéas Carneiro: Pois não.
Clóvis Rossi: Dá mais a sensação de que o senhor é menos candidato a presidente da República e mais candidato a [Alberto] Fujimori [presidente do Peru de 1990 a 2000; em 1992, temporariamente dissolveu o legislativo e suspendeu a Constituição] do Brasil. É isso mesmo?
Enéas Carneiro: Não, nunca disse isso. Não tenho nenhuma admiração pelo senhor Fujimori, principalmente porque o modelo de natureza macroeconômica que foi utilizado lá repete os ecos da ventania neoliberal que assola o continente sul-americano. Não tenho nenhuma simpatia e não vejo em que eu possa ser comparado ao senhor Fujimori. Nunca disse em nenhum programa que iria fechar esta ou aquela instituição. Nunca disse isso em nenhum momento. Não vejo nenhuma razão para esta comparação.
Ibsen Spartacus: Doutor Enéas.
Heródoto Barbeiro: Ibsen Spartacus.
Ibsen Spartacus: Eu quero saber [o seguinte]: quando o senhor faz essas críticas aos meios de comunicação por falta de responsabilidade, o senhor diz que, na eventualidade de ser presidente, usaria de mecanismos... quer dizer, eu queria entender...
Enéas Carneiro: [interrompendo] Jurídicos, mecanismos jurídicos.
Ibsen Spartacus: ...que mecanismos são esses. Hoje, a Constituição não prevê nenhum tipo de intervenção. A imprensa é livre no país e eu queria saber se o senhor batalharia para criar algum tipo de mecanismo de controle dos meios de comunicação.
Enéas Carneiro: Vamos lá. Hoje mesmo, eu estive com a TV Bandeirantes e conversei com o senhor presidente da organização exatamente o que estou dizendo aqui. Eu digo as mesmas coisas sempre, com clareza meridiana, com a clareza do líquor de quem não tem meningite, a mesma coisa sempre. Veja o senhor, existe um Estatuto da Criança e do Adolescente, ao qual não há nenhuma obediência no país. Existem tentativas as mais escabrosas de tirar vantagem do menor abandonado. É uma indústria que aí está estabelecida. Então, é perfeitamente possível, usando a lei, tendo inteligência e vontade de ação firme, conversar com os diretores dos meios de comunicação e mostrar a eles que é possível - ainda mais estando-se na Presidência da República, com o poder que a lei confere e tendo um Congresso que naturalmente estará afinado... Eu lhe digo por que estará afinado, eu digo já. Imagine o senhor que, tendo um minuto no horário eleitoral gratuito, eu chegue a ser eleito. Imagine o senhor, apenas como exercício de raciocínio, que eu terei mostrado de forma inequívoca a toda imprensa brasileira que tudo que é transmitido todos os dias não é o que a população quer. Em todas as páginas dos jornais, eles estão repletos de notícias dos candidatos da imprensa, daqueles que a imprensa prestigia; e ela diz que têm experiência política, como se experiência política fosse andar pelas ruas fazendo greves, gritando ou fazendo comícios. Eu não vejo assim. Eu vejo... veja o senhor que experiência resulta de aprendizado, de conhecimento do assunto. Por isso, eu estou esperando que nós comecemos a falar das questões magnas aqui, já.
Ibsen Spartacus: Mas essa é uma questão que pode ser considerada um problema brasileiro. O senhor foi o primeiro a apontar o problema da forma com os meios...
Enéas Carneiro: É, a falta de respeito à criança que existe hoje.
Ibsen Spartacus: Exatamente. E esse não é um problema brasileiro?
Enéas Carneiro: Eu já citei para o senhor o Estatuto da Criança e do Adolescente. E há outra questão também, à qual não se faz referência normalmente, que é o direito de concessão. O direito de concessão previsto na Carta Magna existe porque sua excelência, o presidente da República, assina esse direito.
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] doutor Enéas.
[Enéas gira a cadeira enquanto vários falam ao mesmo tempo, procurando a quem responder]
Clóvis Rossi: Há uma ameaça às emissoras que não se enquadrarem ao modelo que o senhor acha conveniente?
Ibsen Spartacus: Eu queria entender se esse é um processo de negociação...
Enéas Carneiro: Negociação.
Ibsen Spartacus: ...de discussão com a sociedade...
Enéas Carneiro: Negociação.
Ibsen Spartacus: ...ou se seria intervenção.
Enéas Carneiro: Assim como estive hoje com o presidente, o primeiro de uma rede de comunicação que me convidou para conversar - e só fui porque fui convidado, jamais impus a minha presença em lugar nenhum; estou aqui porque os senhores mandaram um ofício...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: ...claro, calcado na lei -, mas eu quero crer que, conversando com os diretores e presidentes dos meios de comunicação, como todos são chefes de família e apenas eles participam do processo - porque, eu quero crer, não há outro jeito, é uma briga por ibope [medição de audiência] -, quando, [passa a falar de modo enérgico] se ficar claro, quando não houver dúvida, quando for irrefragável a tese de que existe comando da nação e não essa história de faz-de-conta que aí está, sabe, essa - perdoe-me -, essa bagunça generalizada que hoje é o Estado brasileiro - fraco, incapaz de tomar decisões, mal informado, mal organizado, com uma desordem em todos os níveis -, quando ficar claro que não é mais assim, [volta subitamente a falar normalmente] eu quero crer que não será difícil.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Pois não.
Heródoto Barbeiro: Nós temos mais uma pergunta dos jornalistas. Eu queria que o senhor respondesse ao telespectador, o José Carlos Plácido, da Vila Olímpia [bairro de São Paulo]. Ele quer, rapidamente, saber do senhor o seguinte: se o senhor não passar para o segundo turno, o senhor aceitaria ser ministro de algum outro governo?
Enéas Carneiro: [olhando para a câmera] Com todo o respeito ao telespectador, com todo o respeito ao senhor telespectador, é impossível. Falo aqui?
Heródoto Barbeiro: Pois não.
Enéas Carneiro: É impossível, senhor que fez a pergunta - obrigado ao senhor -, mas é impossível ser ministro de um governo inepto! Veja, o senhor que perguntou, o que acontece agora com... eu não me lembro, o senhor Ozires [Silva], o senhor secretário da Receita [Federal]. Não adianta. Imagine o senhor que eu, por hipótese, que aceitasse essa tese - [enérgico] jamais aceitarei com o modelo que aí está! Jamais! Já declarei isso por escrito, em documento que está registrado em Brasília! Não quero ser profissional de política. Não gosto disso. Eu quero ser um estadista. Quero endireitar, quero fazer com que a nossa nação respire, para que a nossa nação possa emergir desse lodaçal em que ela está mergulhada. Como eu poderia aceitar ser ministro se, quando qualquer medida firme fosse ser tomada, imediatamente eu seria obrigado a me demitir? Como posso eu aceitar teses de um candidato à Presidência da República que é um representante legítimo das multinacionais do país?
Heródoto Barbeiro: Quem é, doutor Enéas, quem é?
Enéas Carneiro: [deixa de olhar para a câmera] A sua excelência o senhor Fernando Henrique é o representante legítimo das multinacionais no país. Legítimo. É um homem que defende um processo neoliberal que estraçalhou a Argentina - e temos outros exemplos, muitos. [volta a olhar para a câmera] Mas, respondendo ao senhor telespectador, eu não posso ser ministro. Veja o senhor, se eu quisesse ter qualquer cargo, eu teria sido candidato a deputado federal, sem nenhum convencimento estólido, sem nenhuma bobagem. Eu teria tranqüilidade em eleição em qualquer estado, em qualquer unidade da federação.
Heródoto Barbeiro: OK. Doutor Enéas, a pergunta agora é do jornalista Rui Xavier.
Enéas Carneiro: Pois não.
Rui Xavier: Ouvindo o senhor assim, a minha sensação é que o senhor ficou mais duro.
Enéas Carneiro: Mais duro...
Rui Xavier: Mais duro...
Enéas Carneiro: Hm-hm... [em tom de quem acompanha o raciocínio]
Rui Xavier: ...desde a última eleição para cá. Quer dizer, olhando o noticiário aqui, [folheia papéis sobre a mesa] várias reportagens sobre ao senhor...
Enéas Carneiro: Posso tomar água?
Rui Xavier: Pode, à vontade, pode - [continuando a frase anterior] ...também me dá essa impressão. E parece que passa essa impressão de que o senhor ficou uma pessoa mais dura, mais... Tem aqui até algumas reportagens que dizem... Tem um título aqui, que eu não vou conseguir localizar, que diz: “Chegou um neofascista", "um novo neofascista”. Então, a minha pergunta para o senhor é a seguinte: O senhor mudou? O que é que houve com o senhor? Quer dizer, anteriormente, o senhor passava uma impressão mais simpática para... E, agora, está uma coisa mais dura, falando mais.
Enéas Carneiro: Posso responder?
Rui Xavier: Pode, claro. À vontade.
Enéas Carneiro: Com respeito à sua pergunta e a tudo o que ela possa traduzir, de um modo explícito ou implícito. Veja o senhor, eu sempre falei durante os 15 segundos com o mesmo tom enérgico que eu falo agora. Isso é da minha personalidade. Eu não sou homem de meias palavras. Eu tenho clareza no que penso e no que digo, não tenho dissociação celebro-língua nem nenhuma dificuldade de articular o meu pensamento. Aprendi a falar e a escrever corretamente. Naquela época [na campanha eleitoral de 1989], eu tinha um tempo pequeno; então, grande parte das pessoas - incluídos jornalistas, também - não conseguiam entender o que eu dizia e achavam engraçada a frase final, "Meu nome é Enéas!" Muitos achavam que eu estava brincando, querendo ser deputado mais à frente ou um cargo. Surpreendi a todos: eu não fui candidato a nada, porque eu não quero, não preciso disso. Sou médico, sou professor de cardiologia, tenho do que viver. Eu não fiquei mais duro. A conversa agora está sendo mais demorada; é possível, agora, o senhor e todos que me ouvem acompanhar com mais tranqüilidade não só, agora, a forma, mas o fundo, o conteúdo do que está sendo dito. Eu falei, em fevereiro de 1991 - não sei se o senhor assistiu ao pronunciamento, uma hora inteira em cadeia nacional -, e disse coisas extremamente duras. Eu fui o primeiro presidente de partido político que teve a coragem de pedir a sua excelência, o presidente Collor, que renunciasse naquela ocasião, pela desgraça a que ele estava lançando a nação! [tentando corrigir-se] Em que... a que ele estava lançando a nação.
Heródoto Barbeiro: O senhor votou nele no segundo turno?
Enéas Carneiro: [em tom indignado] Não, eu anulei o meu voto! Por favor! Por favor! Eu não acredito nos senhores que aí estão! [volta a falar normalmente] Então, veja bem, naquela ocasião, eu falei um hora inteira.
Rui Xavier: O senhor anulou o voto?
Enéas Carneiro: Anulei com tranqüilidade. Mas porque não? A Constituição me permite! Se eu não acredito em A, B, C e D, por que eu tenho que votar em algum deles? Por que eu tenho que dizer...
Clóvis Rossi: [interrompendo] O senhor vota em branco?
Enéas Carneiro: Não. Em branco... eu sei que há processos de fraude, todo mundo sabe disso, isso é notório no país. E o voto em branco permite que, aqui ou acolá, no meio do trajeto, alguém ponha o nome. Eu anulo o voto. Por quê não? [dizendo os adjetivos de forma grave e muito enérgica] É a maneira mais clara, mais categórica, mais peremptória de eu dizer que não acredito naquilo.
Clóvis Rossi: Aparentemente, o senhor não acredita só em A, B, C; não acredita em ninguém de A a Z, pelo que o senhor está dizendo...
Enéas Carneiro: Depende de quem se apresenta.
Clóvis Rossi: ...ninguém presta no mundo político brasileiro, só o senhor.
Enéas Carneiro: Depende de quem se apresenta.
Rui Xavier: [interrompendo] Então, eu podia inverter essa pergunta, doutro Enéas?
Enéas Carneiro: Um minutinho. Pode, só um instantinho para o senhor... Por favor, seu nome?
Clóvis Rossi: Clóvis.
Enéas Carneiro: Senhor Clóvis, um minutinho. Eu não vejo, no cenário que aí está... Se eu visse, eu não teria me candidatado. Perceba o senhor uma coisa: eu não gosto do processo - senão, pertenceria a ele tranqüilo, estaria... a palavra que os senhores usam.
Clóvis Rossi: Processo? Exatamente, o que é o processo para o senhor?
Enéas Carneiro: [enérgico] É essa imundice em que se transformou o quadro político brasileiro! É essa situação de vergonha que cada brasileiro tem quando chega no exterior - eu estou falando de quem pode ir ao exterior, porque pobre não sai nem do bairro onde mora, não consegue nem pagar a passagem. É essa situação de mentira que é lançada nas telas da televisão e nos jornais todos os dias. Eu vou dar exemplo para os senhores, vamos falar de coisas concretas: a Previdência, que é um farsa. A maioria das coisas que são apresentadas é falsa. Quando se diz que existem dois para um, isso é mentira: misturam-se os homens da cidade com os homens do campo; a relação na cidade é quase quatro para um e a relação no campo é meio para um. Quando se junta isso tudo - e o senhores são jornalistas, sabem da verdade -, cria-se o "dois para um". Então, há dois indivíduos, também - isso é mentira. O que ocorre é que arrecada-se muito pouco no campo e, como se arrecada muito pouco no campo, a cidade paga pelo campo. Então, tem-se a impressão de que a Previdência está falida. Ela tem, aliás, um saldo de um bilhão de dólares. O que se quer é privatizar tudo, para que grupos espúrios tomem conta; e, aí, o Estado fica endividado - como aconteceu no Chile -, o Estado fica endividado e os grupos têm um grande negócio. [volta a falar normalmente] Então, eu deixo bem claro. Quando o senhor disse "o processo", eu quero dizer o seguinte. Eu não gosto dessa maneira como um candidato à Presidência da República se curva. [volta o tom enérgico] Para ser eleito, ele se curva! Ele não acredita na força dele, ele faz composições, ele procura um vice, ele procura um... Para quê? Para que ele tenha votos! Eu não faço isso. Eu sou exatamente o mesmo! Meu candidato a vice-presidente é um almirante. O almirante Roberto Gomes Silva. Um homem que não vai me trazer votos, não é nada disso: apenas, ele foi um homem que, no governo [João] Figueiredo [(1918-1999), presidente da República de 1979 a 1985], lutou contra a desnacionalização das nossas jazidas!
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Ele lutou contra esse processo de sangria, do qual nós somos vítimas, exportando minério in natura. Ele lutou contra isso.
Rui Xavier: Posso lhe fazer uma pergunta?
Enéas Carneiro: Pois não.
Rui Xavier: Do que é que o senhor gosta nesse processo todo? O senhor já falou de muita coisa de que o senhor não gosta.
Enéas Carneiro: Por isso eu entrei, veja o senhor.
Rui Xavier: Tudo bem, mas deve ter alguma coisinha... porque o senhor não vai destruir tudo para montar tudo sozinho.
Enéas Carneiro: Não, não, não, não, mas eu acabei de falar, para o senhor que me perguntou - eu não sei o nome dos senhores - sobre o Congresso, e eu disse que eu não acredito... deixe-me definir bem, vamos falar do Congresso. 503 [deputados federais], não é? 502, 503.
Fernando Mitre: 503.
Enéas Carneiro: Eu nunca disse, veja o senhor, que o indivíduo A ou B é um patife. Eu nunca disse isso. O que eu vejo é o seguinte: existe um modo de comportamento que se tornou a regra do processo. Esse modo chama-se hipocrisia. O cidadão não tem coragem de dizer a verdade. Ele tem medo de perder voto aqui, perder voto acolá, ele faz a aliança aqui.
Heródoto Barbeiro: O senhor inclui os deputados do Prona também, doutor Enéas?
Enéas Carneiro: Se acontece com eles?
Heródoto Barbeiro: Do teu partido?
Heródoto Barbeiro: [volta a falar calmamente] Olha, eu não sei lhe responder, eu tenho um deputado federal no Prona, dona Regina Gordilho, e foi o único deputado que veio para o Prona. Se o senhor disser que ela fez aliança, eu quero crer que não, eu quero crer que, até hoje, ela tem sido de uma lealdade extrema. E, muito embora facilmente pudesse estar em outro partido - agora me disseram que ela tem 2% das intenções do voto, saiu no jornal do Rio de Janeiro -, ela se manteve leal a mim. Sem ela, eu não teria entrado com uma ação de inconstitucionalidade e o senhor Orestes Quércia [político paulista do PMDB, foi governador de São Paulo entre 1987 e 1991]... Pela Constituição, eu só poderia entrar com essa ação se tivesse um representante. Então, o senhor falou agora em aliança. Eu quero crer que ela não fez nenhuma aliança. Não vi, eu não tenho nenhuma informação sobre nenhuma aliança.
[vários chamam Enéas]
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, nessa linha de raciocínio, eu queria que o senhor ouvisse, primeiramente, a pergunta do jornalista José Paulo Kupfer. Por favor.
Enéas Carneiro: O senhor ou o senhor?
José Paulo Kupfer: Eu.
Enéas Carneiro: O senhor.
José Paulo Kupfer: Isso, o meu nome é Zé Paulo.
Enéas Carneiro: Sim, senhor Zé Paulo.
José Paulo Kupfer: O senhor disse que quer um Estado intervencionista.
Enéas Carneiro: Deixa eu amarrar bem: forte, técnico e intervencionista. A frase não é minha, é do professor Alain Touraine [sociólogo francês, autor da expressão "sociedade pós-industrial. Ver entrevista dom Touraine no Roda Viva], professor de sociologia da França.
Josemar Gimenez: [interrompendo] Autoritário também, professor?
José Paulo Kupfer: [estende o braço para Josemar] Peraí!
Enéas Carneiro: Continua com o senhor ou eu respondo para ele? Como quiserem.
José Paulo Kupfer: Não, eu.
Enéas Carneiro: Se a palavra "autoritário" quer dizer que exista autoridade e que ela se faça respeitada, se é este o sinônimo, dentro do universo semântico seu, se é isso o que o senhor quer dizer, é.
José Paulo Kupfer: Bom, então vamos lá. [riscando itens com uma caneta numa folha de papel] O senhor quer um Estado desse jeito.
Enéas Carneiro: Isso.
José Paulo Kupfer: O senhor já meteu, aí, a lenha no neoliberalismo.
Enéas Carneiro: [enérgico] Sem dúvida!
José Paulo Kupfer: Aqui no seu material, a gente lê que o seu modelo de político é o Fidel Castro [líder da Revolução Cubana de 1958-1959, que governou Cuba de 1959 até 2008 num regime socialista e, até os anos 1990, pró-soviético. Ver entrevista com Fidel Castro no Roda Viva].
Enéas Carneiro: [calmo] Não disse isso, não disse isso, um minutinho só. Perguntaram-me quem eu admirava no exterior. Eu disse, pela personalidade forte, pela coragem de enfrentar o monstro - espere aí -, mas eu não disse, eu não sou socialista, deixo bem claro: eu defendo a livre iniciativa, eu defendo a economia de mercado. Então, eu não tenho como modelo o senhor Fidel Castro. Eu não disse isso, não.
José Paulo Kupfer: Um defensor de uma economia...
Enéas Carneiro: De mercado.
José Paulo Kupfer: ...uma economia de mercado não-liberal, o que é que é?
Enéas Carneiro: Bom, ele me perguntou...
Clóvis Rossi: [interrompendo] Posso complementar?
Enéas Carneiro: À vontade.
Clóvis Rossi: Como combinar a defesa da economia de mercado com um Estado intervencionista?
Enéas Carneiro: Forte, técnico.
Clóvis Rossi: Invervencionista. Forte e técnico, tudo bem.
Enéas Carneiro: [demonstrando bastante solicitude] Perfeito! Com clareza, para o senhor e para todos! Veja bem. Primeiro, que o que aí está diante de nós é toda uma encenação, é toda uma farsa. Vamos devagar. Primeiro, porque o Estado intervém sempre. Vamos ver: agora mesmo, quando foi decretado o Plano Real [no fim de 1993], esse último plano, "miraculoso", que se estenderá quase certamente até as vésperas... "Quase", não é? Ninguém pode afirmar, o processo é muito mutável. Mas, quando ele foi decretado, sua excelência, o presidente da República, recebeu a sua assessoria econômica e lhe apresentaram a taxa de juros com a qual o mercado iria se comportar, ditada, ditada pelo governo. O senhor é [...] como eu, 8,3%, o que ele deu, foi arredondado para 8,2%. Agora - hoje ou ontem -, um senhor - saiu no O Globo, ontem, 21, por esses dias aí -, saiu no O Globo que é impossível continuar com isso: o serviço da dívida pública - o serviço dela - está em torno de quatro bilhões de dólares mensais. Diz o professor Décio Garcia Munhoz - que não é do Prona, não é do nosso partido; o que não quer dizer nada, não quer dizer nada; é uma pessoa por quem eu tenho profundo respeito, é professor titular de política econômica e economia internacional brasileira - diz ele: "Não, não são quatro, não; estão contando só os títulos em poder do público; mas, se levarmos em conta os títulos do Banco Central - e o tesouro também paga esse serviço a eles -, chega a seis bilhões de dólares." Ora, meu Deus do céu, não é intervencionista? Só que é intervencionista a favor dos grandes grupos. Eu estou falando de grupos financeiros, não estou nem falando mais a empresa. As empresas, todas estão perdendo, só as muito grandes que não perdem. As empresas médias, pequenas, todas estão perdendo. Não há estímulo nenhum para o investimento, em produção nenhuma. Então, quando eu digo "intervencionista", eu digo isso com firmeza querendo dizer o seguinte: vai intervir mesmo, contra esse monstro cuja a cabeça está lá fora, no G7. Não sei qual deles, é um conjunto, o senhor sabe, harmônico, que funciona ali no Norte, napax borealis, e os tentáculos estão aqui dentro, com os vendilhões da pátria aqui dentro. Então, para repetir com clareza, é aceita a economia de mercado, sim, e é intervencionista, sim - não naquilo que a empresa está fazendo; é intervencionista naquilo que pode ser.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Eu termino já. Na taxa de juros, que será, conosco, no mínimo no nível internacional. Deixaremos de ser o campeão da usura mundial, com taxas de juros que ultrapassam 28% ou 30%, vão embora as nossas, agora. Segundo, na tributação. Porque não? Se ao Estado cabem esses direitos de intervir - e é conversa fiada que é o mercado que faz: acabei de mostrar, agora, que a equipe econômica chegou ao presidente e disse "vai ser tanto"; perguntou e confirmou que ia ser tanto. Ora, se o Estado pode intervir, por que não o fazer, uma vez que taxas de juros são embutidas obrigatoriamente nos custos? Uma...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Pois não.
Heródoto Barbeiro: Os telespectadores estão insistindo em fazer perguntas para o senhor e eu estou aqui representando.
Enéas Carneiro: Claro, um prazer; eu ia desenvolver o assunto.
Heródoto Barbeiro: Por exemplo, dentro dessa linha de raciocínio, o senhor Ernesto Liviano, de São Paulo, e o senhor Marcos Linhares querem saber, em resumo, o seguinte: afinal, o senhor mantém ou o senhor muda o Plano Real, se for eleito presidente da República do Brasil?
Enéas Carneiro: Pelo amor de Deus, para onde eu viro? Para o telespectador? [fala voltado para a câmera] Com todo o respeito ao senhor e à sua pergunta, como brasileiro, seria o ideal - eu estou falando aqui em nome de todas as pessoas que nasceram nessa terra, como eu -, seria o ideal para nós se desse certo. A situação do nosso país é de trazer lágrimas aos olhos. Qualquer brasileiro sente tristeza de ver o que está acontecendo. O poder aquisitivo foi levado lá em baixo. Qualquer pessoa com o mínimo de lucidez intelectual percebe que o poder aquisitivo caiu fragosamente desde a primeira etapa, do URV [Unidade Real de Valor, indexador que serviu de moeda de transição junto com o cruzeiro real (instituído em agosto de 1993) de março de 1994 até a substituição deste pelo real, em 1º de julho de 1994], até a última etapa. Quer dizer, claro que, como brasileiro, eu gostaria que isso desse certo. Mas é impossível dar certo. Primeiro, que é impossível dar certo...
Fernando Mitre: [interrompendo] doutor Enéas, desculpe, mas que evidências o senhor tem de que o poder aquisitivo caiu da URV para cá?
Enéas Carneiro: As notas! O desafio é feito... assim como eu fiz o desafio sobre voto, quando perguntaram sobre quanto eu tenho de voto, eu convidei um senhor jornalista, do Jornal do Brasil: "O senhor quer ir à rua comigo? O senhor quer escolher a esquina..."
Fernando Mitre: [interrompendo] Como é que o senhor explica, então, que, nas pesquisas, mais de 70% dos entrevistados apóiam o plano, e até entre os eleitores dos maiores adversários do Fernando Henrique [Cardoso]? [presidente da República de 1995 a 2002]
Enéas Carneiro: Mudou... mudou-se... mudei, fui eu quem mudou o fio. Eu estava falando de mim. Assim como eu tive a prova, hoje, de que os dois, três não são exatamente a realidade, há um pouco mais - é isso o que eu apresento -, assim, também, eu tenho certeza que o indivíduo apóia porque está iludido. Ele olha para a moeda e ele vê uma moeda pequenininha, que não valia nada há pouco, e sente "puxa, o meu dinheiro está valendo".
Fernando Mitre: O senhor mesmo disse: "Não valia nada há pouco e agora vale."
Enéas Carneiro: Mas é verdade.
Fernando Mitre: Então, isso é positivo em si?
Enéas Carneiro: Sem dúvida, do ponto de vista de máscaras.
Fernando Mitre: Então, o senhor deve descobrir alguma coisa de positivo no plano?
Enéas Carneiro: Mas, espere aí. Se é positivo enganar o público...
Fernando Mitre: Mas isso é enganação?
Enéas Carneiro: É.
Fernando Mitre: O senhor acabou de descrever que o povo agora tem uma moeda que vale.
Enéas Carneiro: A moedinha na mão! Escute...!
Fernando Mitre: Que vale. [Disse] que ela valia.
Enéas Carneiro: Eu não disse moeda em sentido inteiro, macroeconômico, por favor.
Fernando Mitre: Sim, eu sei.
Enéas Carneiro: A moedinha vale, espere aí.
Fernando Mitre: Antes não valia?
Enéas Carneiro: Não, não valia nada porque...
Fernando Mitre: Então, melhorou.
Enéas Carneiro: Espere. Mas é falso, porque o que é mais importante não é aquele valor dela nela, ínsito a ela, próprio dela. É o poder de troca, é o poder aquisitivo - e ele não existe.
Fernando Mitre: Mas o país se mantém.
Enéas Carneiro: Não diga isso, por favor!
Josemar Gimenez: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Por favor, o poder aquisitivo caiu!
Josemar Gimenez: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Eu não trouxe aqui, mas é possível provar isso. Qualquer - um instantinho -, qualquer pessoa que saia com dinheiro na mão para comprar agora e o faça...
Fernando Mitre: [interrompendo] Mas há uma contradição em termos no que o senhor está dizendo. Quer dizer, antes havia um dinheiro que não valia; agora é um dinheiro que vale; um dinheiro que vale é aquele que compra.
Enéas Carneiro: [com as mãos na cabeça] Não, eu disse... Espere.
Fernando Mitre: O que não vale é o que não compra.
Enéas Carneiro: Por favor, eu preciso responder para haver clareza. A moeda, aquela moeda de metal, aquilo é que é simbólico. Antigamente, ela não existia, porque estava toda fragmentada. Hoje, esse centavo, ele vai de... se o real é dois...
Fernando Mitre: [interrompendo] Vale mais de [um e] meio dólar. [na data da entrevista, o real valia US$ 1,07]
Enéas Carneiro: É, exato, mas eu quero dizer que o que essa moeda pode comprar é menos do que os 2,750 [na verdade, 2750 cruzeiros reais] podiam [o real foi instituído em 1º de abril valendo inicialmente 2750 cruzeiros reais, que era a cotação dessa moeda em dólar na época]. É isso o que eu quero dizer. Entenda-me, a moeda em si, ela vale 2750; digamos, um real é 2750; só que ela compra muito menos do que os 2750 compravam. É isso.
Clóvis Rossi: Pois é, doutor Enéas, o senhor acha, então, que a população é tola o suficiente para...
Enéas Carneiro: A população, é natural em todo e qualquer agrupamento humano, ela se deixa levar por um processo colossal de anestesia. É natural isso...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: ...só que isso passa, essa anestesia.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Um minutinho. Essa anestesia ocorre em todos esses movimentos, é natural isso. Essa anestesia ocorre todas as vezes em que os meios de comunicação, de um modo maciço, apresentam uma idéia. Isso é natural.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, a dona Maria Helena Penhorato, nossa telespectadora, quer saber quem é o ministro da Economia do senhor. Quem é que o senhor vai nomear para o Ministério da Economia?
Enéas Carneiro: Ora, isso... [olhando para a câmera] Respeito a senhora; na área econômica, hoje, eu tenho duas pessoas que me ajudam muito. Uma é um membro do partido, do Prona, é um professor da Escola Superior de Guerra, doutor Marcos Coimbra, titular de análise quantitativa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Eu estou me dirigindo para a tela, não é? E a outra pessoa não é do Prona, eu citei antes, é o professor Dércio Garcia Munhoz, por quem eu também tenho muito respeito. Mas eu não tenho compromisso com nenhum dos dois de dizer que um deles é o ministro. Não há esse compromisso estabelecido. No decorrer do processo, pode ocorrer de um deles dizer: “Não, doutor Enéas, é melhor escolhermos uma outra pessoa.” Eles mesmos. Isso, para nós, do Prona, não é fundamental. Nós não estamos trocando cargos. Eu, por exemplo, [...] posso ser ministro da Saúde. É um número enorme de médicos, eu dei aula para mais de vinte mil médicos, é facílimo escolher alguém. Isso não é preocupação nossa.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, nós vamos fazer um pequeno intervalo e nós voltamos daqui a pouco com a nossa seqüência do Roda Viva Especial, entrevistando o doutor Enéas Carneiro, que é o candidato do Prona à presidência da República. Nós voltamos já, já.
[intervalo]
Heródoto Barbeiro: E nós voltamos com o programa Roda Viva Especial. Nós estamos entrevistando, hoje, mais um candidato à Presidência da República, o doutor Enéas Carneiro, que é o candidato do Prona. Você pode participar pelo telefone (011) 252-6525. Se você preferir o fax, é o (011) 874-3454. Doutor Enéas, eu gostaria que o senhor me confirmasse o seguinte. O jornal O Globo do dia 12 de maio publicou uma expressão atribuída ao senhor. Eu gostaria de perguntar ao senhor se ela procede ou não. Ele diz o seguinte: que o senhor teria dito que a classe política brasileira é representada pela escória da sociedade.
Enéas Carneiro: Sem dúvida.
Heródoto Barbeiro: O senhor disse isso?
Enéas Carneiro: Disse com os mesmos termos que aí estão.
Heródoto Barbeiro: Então, eu quero, respeitosamente, perguntar ao senhor o seguinte: o senhor se inclui nisso?
Enéas Carneiro: Não. Por isso, não quis ser candidato a nada. Eu pretendo... quando eu disse "escória", eu queria dizer o seguinte. É difícil - claro que há exceções em todos os níveis e em todos os meios -, mas é difícil o senhor encontrar, no cenário político, um cientista, um homem que tenha dedicado a sua vida à ciência. Geralmente, ele sente repugnância pelo processo. E por que ele sente esse sentimento específico? Porque se criou toda uma imagem - que é a imagem das ruas, não é a imagem da imprensa, é imagem nas ruas - de uma aversão pelo político. O político, geralmente, é vaiado; o político, geralmente, é alguém para quem se olha e se diz "sujeito de vida fácil". E, quando a gente acompanha todo o processo, a gente vê que, na maioria das vezes, na esmagadora maioria das vezes, o sujeito se aproxima para tirar vantagem. Ele se aproxima porque ele fracassou na vida profissional. Ele não é um indivíduo que tenha tido uma carreira com brilho naquilo que faz...
Fernando Mitre: [interrompendo] Doutor Enéas, desculpe, nós temos aí, concorrendo, o maior líder da história do Brasil, que é o Lula, e um brilhante intelectual de nível internacional, que é o Fernando Henrique.
Enéas Carneiro: O senhor me obriga...
Fernando Mitre: Isso desmente o que o senhor disse.
Enéas Carneiro: O senhor me obriga a caracterizar de modo pessoal, o que eu não gosto de fazer. Mas, quando o senhor diz "líder"... perdoe-me, se o Partido dos Trabalhadores tem uma estrutura de pensamento tão forte, por que, na sua linha de frente para o cargo máximo da nação, apresentou uma pessoa - não tenho nada em particular com esse senhor -, uma pessoa sem preparo?
Fernando Mitre: Como, sem preparo?
Enéas Carneiro: Um minutinho, por favor.
Fernando Mitre: O preparo só se adquire na academia?
Enéas Carneiro: É, chegaremos lá.
Clóvis Rossi: Parece, exatamente, que o seu conceito de "preparo" se limita ao sábio.
Enéas Carneiro: Não, não, eu nunca disse que era sábio, senhor. Não digo isso. Eu sou um estudioso de ciência. Veja bem, quando eu digo "sem preparo", vamos ser claros, todos nós: existe uma mística que é criada, no sentido de proteger o cidadão A, o cidadão B. Por favor, o que é preparo? Preparo adquire-se de modo formal nas escolas. Eu não consigo aceitar, e, por isso, eu me sinto muito - um minutinho, senão... deixe-me terminar a expressão, o senhor tem todo o direito de retorquir...
Fernando Mitre: Claro, claro.
Enéas Carneiro: Se as escolas não servem para nada, para que elas foram criadas?
Fernando Mitre: Não, quem disse que não servem?
Enéas Carneiro: Só um minutinho. Então se o curso primário, antigo...
José Paulo Kupfer: As escolas brasileiras hoje servem muito pouco.
Enéas Carneiro: Eu não fiz a escola atual, senhor; eu fiz há 50 anos atrás.
José Paulo Kupfer: Sim, mas o senhor concorda que hoje elas servem muito pouco, não é?
Enéas Carneiro: Elas servem pouco, mas é melhor a escola do que a não-escola. Permita-me só terminar o pensamento, aqui. Se eu não consigo entender que se lance a candidatura da República, não consigo entender é que haja um aplauso de um grupo a uma pessoa que nunca estudou, que se exprime com muita dificuldade em linguagem falada ou escrita e que, perdoe-me, fala do que ouve. Eu não conheço, nesse senhor, o candidato do PT, nada que, nesse período todo desde 1979, me tenha impressionado, no que concerne em alguma análise profunda de questões sérias. Eu nunca vi isso. Eu não sei como uma pessoa que nunca foi educada e nunca educou ninguém pode falar de educação. Eu não entendo. Agora, se o senhor diz que eu estou ofendendo, não estou ofendendo, estou fazendo um diagnóstico preciso.
Fernando Mitre: Bom, mas também é de um preconceito absurdo.
Enéas Carneiro: Não, não é preconceito. Veja o senhor, para dirigir um avião, exige-se um curso de treinamento.
Fernando Mitre: Claro, não há nenhuma dúvida.
Enéas Carneiro: Para dirigir uma escola, exige-se que a pessoa tenha um diploma. Para ser presidente da República, não se exige nada?
Fernando Mitre: Exige-se que seja um cidadão, que tenha legitimidade no seu poder, que tenha o apoio da sociedade. Essas são as exigências.
Enéas Carneiro: Desde que esse apoio seja manifesto não dessa forma que é, metade...
Fernando Mitre: Como dessa forma?
José Paulo Kupfer: Como dessa forma?
Enéas Carneiro: Esperem aí. Metade da população se diz insatisfeita, 56%, são as estatísticas. Agora, os senhores põem em todos os programas, nas primeiras páginas dos jornais, todos os dias, desde 1979...
[...]: O senhor está...
Enéas Carneiro: Espere um instantinho - [continuando] as mesmas pessoas. E têm as suas razões para isso, os senhores têm todo o direito de terem os seus candidatos...
Fernando Mitre: Não, nós não temos!
Enéas Carneiro: Não, é natural, é natural.
Fernando Mitre: Por favor!
Enéas Carneiro: Em 1989... um minutinho.
Fernando Mitre: Não é essa a questão.
Enéas Carneiro: É, sim, senhor.
Fernando Mitre: Não, senhor. Como, "nosso candidato"? O que é isso?!
Enéas Carneiro: Os senhores me chamaram porque a lei assim o exige, hoje. Em 1989, eu era a mesma pessoa, tão preparada quanto sou hoje, os mesmos diplomas que eu tenho hoje. Nunca houve um órgão de comunicação - nunca, não, o senhor [humorista e entrevistador de TV] Jô Soares me chamou, me deu essa oportunidade. Mas ninguém se interessava, era uma pilhéria, eu era um motivo de jocosidade, era uma figura, para os senhores, histriônica. Estou falando em geral; pode até haver, no conjunto dos senhores, alguém que admitia que apreciava o que eu digo. Então, se há o preconceito, não é meu. O que é que deveria fazer a imprensa quando vê um médico que trabalhou a vida inteira, que ensinou a vida inteira, que formou jovens, que nunca chegou atrasado no seu curso, que deu exemplo de cidadania formando pessoas, que se dedicou sempre ao trabalho e não fazendo greves, estudando e trabalhando? Por que a imprensa não foi perguntar para mim o que eu pensava em 1989? Por que...
Clóvis Rossi: Mas...
Enéas Carneiro: Um minutinho! Por que só cinco anos depois, quando eu provei de um modo categórico que não queria pertencer ao sistema, por que só cinco anos depois a imprensa se interessou? Dêem-me uma razão. Eu dizia as mesmas coisas.
Clóvis Rossi: Qual é a vantagem que tem um cidadão que educou, formou etc e tal sobre um operário comum? Eu não estou me referindo ao Lula: um operário comum, que educou seus filhos, que ensinou os seus filhos, que trabalhou a vida inteira - e que fez greve também, que é constitucional.
Enéas Carneiro: Um minutinho, um minutinho.
Clóvis Rossi: Perfeitamente constitucional. O seu viés autoritário transforma a greve em um pecado mortal. Está na Constituição.
Enéas Carneiro: A greve é um direito inalienável de um trabalhador. Eu nunca disse o contrário. Está no manifesto do meu partido. Isso é uma coisa. Outra coisa é viver disso, é fazer disso profissão de fé. Outra coisa é não ter feito nada além disso, na vida. Como, aliás, o jornal do senhor escreve sobre mim - não sei quem, não me lembro, que eu não gravo o nome dos senhores -; disse que a biografia do senhor candidato do PT era melhor que a minha. Mostre-me o currículo do candidato do PT, mostre-me o que ele fez ao longo da vida.
José Paulo Kupfer: Doutor Enéas, o senhor passa...
Enéas Carneiro: Por favor, por favor, eu estou obrigado a dizer...
José Paulo Kupfer: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Pois não.
José Paulo Kupfer: O senhor está sugerindo que, para a Presidência... [hesita]
Enéas Carneiro: Da República.
José Paulo Kupfer: ...da República façamos como se fazia até, de certo modo, na Grécia, um concurso de livre-docentes?
Enéas Carneiro: Olha, um concurso seria algo extremamente mais legítimo do que esse que aí está. A lei eleitoral foi feita assim, agora - dizem que é muito boa, ela é melhor do que a anterior, mas ela foi feita assim, veja o senhor: ela dá a um candidato sete minutos de exposição, apesar de estar todos os dias nos jornais. Para outro, cinco ou seis. Eu tenho um minuto para expor. Eu lhe garanto uma coisa - e digo para o senhor e para todos que ouvem: [se eu pudesse] exprimir-me durante 13 minutos, não haveria segundo turno. Eu vou dizer por quê - espere aí. Se o senhor conversar com um homem da rua, o que ele quer ouvir é exatamente o que eu estou dizendo. Não tenha dúvida, não tenha dúvida.
José Paulo Kupfer: Eu queria que o senhor me desse uma resposta.
Enéas Carneiro: Pois não.
José Paulo Kupfer: Seria melhor que fosse um concurso de livre-docência de títulos e cargos?
Clóvis Rossi: De títulos e cargos.
Enéas Carneiro: Veja. Bem devagar, eu quero dizer o seguinte.
José Paulo Kupfer: E currículos.
Enéas Carneiro: Para responder a ele, por favor. Dever-se-ia exigir o mínimo. Não é um concurso para docência, porque isso pressupõe uma especialização. Isso pressupõeuma entrada em uma seara específica de atividade cognitiva. Não estou dizendo isso, não.
José Paulo Kupfer: Não, o mais diplomado...
Enéas Carneiro: Não. Não necessariamente.
José Paulo Kupfer: ...ou mais graduado, seria o presidente?
Enéas Carneiro: Exige-se o mínimo de preparo, mínimo, segundo...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Preparo formal de faculdade.
Enéas Carneiro: Formal. Eu não conheço preparo, veja o senhor - a não ser, é claro, isso é raro, a gente encontra, o autodidatismo, que eu fiz em algumas disciplinas. Mas a formação curricular é fundamental para que uma pessoa possa manifestar-se acerca de um tema. Estamos todos aqui. Se alguém fizer a pergunta do auditório - aqui não é auditório -, se fizer a pergunta na rua, "qual é a natureza da luz", se não houver ninguém aqui que tenha estudado ciência...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas, doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Só um minutinho, por favor...
José Paulo Kupfer: Perdão, perdão, só um segundo. O senhor está, desse jeito e, se vamos pensar - só para pensar, ir para um certo extremo -, impedindo que o povo vote.
Enéas Carneiro: Quem disse isso?
José Paulo Kupfer: Ele não tem preparo....
Enéas Carneiro: Eu não disse isso.
José Paulo Kupfer: ...para opinar sobre assuntos dessa natureza.
Enéas Carneiro: Eu não disse isso, eu não disse que... Veja o senhor, se eu não...
José Paulo Kupfer: Mas o senhor disse exatamente isso.
Enéas Carneiro: Não, eu falei de quem vai dirigir!
José Paulo Kupfer: Mas quem vai escolher também tem que estar preparado para uma missão tão complexa.
Clóvis Rossi: O raciocínio leva a isso, o raciocínio leva a isso, doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Não, eu não disse isso! Veja o senhor...
José Paulo Kupfer: Só votariam os "homens bons", aqueles com um certo nível de preparo para cima. ["homens bons" eram as pessoas - ricos proprietários - que podiam ser membros das Câmaras Municipais no período colonial do Brasil]
Enéas Carneiro: Não...
Clóvis Rossi: A República censitária.
Enéas Carneiro: [calmo, solícito] É natural que os senhores pensem assim e é natural que os pontos de vistas sejam diametralmente opostos. Claro, eu respeito. Mas eu não disse isso. Eu disse o seguinte... primeiro, que a discussão não leva a nada, porque a Constituição aí está e vai ser como ela determina: é eleição e qualquer pessoa, mesmo sendo analfabeta, como é o candidato do PT, é candidato a presidente. Está tudo bem, nisso não tem dúvida nenhuma. Agora, representa um protesto da classe média contra o que aí está ou que sempre esteve, sempre esteve - quer dizer, há muito tempo está, há muito tempo; o senhor Getúlio Vargas era um homem preocupado com a nação, sem dúvida. Estou elogiando um, aqui.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Clóvis Rossi: Doutor Enéas...
Heródoto Barbeiro: Eu queria, aqui...
Clóvis Rossi: Getúlio Vargas, Fidel Castro. Já são dois ditadores elogiados.
Enéas Carneiro: Não; se o senhor quer olhar sob esse prisma, se, para o senhor, é extremamente elogiável um presidente que é um boneco, se o senhor gosta disso, eu respeito sua tese, o que está nos seus esquemas. Eu não penso assim.
Heródoto Barbeiro: Doutos Enéas.
Enéas Carneiro: Dê-me o direito de pensar diferente.
Clóvis Rossi: Eu lhe dou o direito. Eu só quero que o senhor diga... Então, vamos voltar a pergunta do Fidel Castro. O senhor diz que não era bem assim.
Enéas Carneiro: Mas não é assim por causa do socialismo!
Clóvis Rossi: Qual é o seu modelo? Qual é o seu modelo de ordem estadista?
Enéas Carneiro: Estadista. Vamos devagar.
Clóvis Rossi: Do presente ou do passado?
Enéas Carneiro: Do passado. Vamos para homens de personalidade forte que me impressionaram. Não são da minha geração; então, só a leitura. Meiji [(1852-1912), imperador do Japão de 1967 a 1912, em cujo governo o país conheceu grandes transformações] no Japão, criador da Era das Luzes, que endireitou o Japão, preparou o Japão para ser a potência que é hoje, criou as bases.
Heródoto Barbeiro: Só que ele era um absolutista e não foi eleito pelo povo.
Enéas Carneiro: Sim, isso é irrelevante. Getúlio Vargas foi ditador e depois foi eleito, o que provou que o povo ou queria ou desejava.
Clóvis Rossi: Quer dizer, ser absolutista é irrelevante para o senhor, foi isso o que ouvi?
Enéas Carneiro: Quando o senhor diz "absolutista", é preciso ter cuidado...
Clóvis Rossi: Não, foi ele que [Heródoto Barbeiro] disse.
Enéas Carneiro: ...que [senão] o senhor volta a Luís XIV [(1638-1715), rei da França de 1643 a 1715, o "Rei Sol", o mais famoso dos reis absolutistas europeus].
Heródoto Barbeiro: Não, é história do Japão, isso.
Enéas Carneiro: Não, eu estou citando homens que têm coragem de agir contra o poder constituído, contra esse sistema apodrecido que faz com que uma terra que é a mais rica do planeta, uma terra que é abençoada no seu subsolo, que tem a maior riqueza e água potável do planeta...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: ...espere aí - o que faz com que essa terra...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: ...esteja mergulhada nesse processo...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: ...há muito tempo e não saia dele e não tenha a possibilidade de sair.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, já que o senhor tocou na questão da terra, eu gostaria que o senhor voltasse ao programa do senhor e o senhor respondesse ao senhor Ivan de Souza, de Jacareí, no interior de São Paulo.
Enéas Carneiro: Posso tomar água?
Heródoto Barbeiro: Qual é o... Pode. Qual é o projeto do senhor sobre reforma agrária?
Enéas Carneiro: [toma água do copo ao lado de sua cadeira] Desculpe, eu estava tomando água. É que é um calor aqui... os telespectadores não sabem, mas é terrível. Veja bem, vamos primeiro mudar de novo a expressão. A expressão "reforma agrária" já tem um contexto, hoje, dentro do universo semântico de toda a população, que me cria um mal-estar para examiná-la. Eu prefiro responder ao senhor assim, de um modo também sintético. É fundamental que seja feita uma reordenação do processo agrícola. Vou lhe dizer, rapidamente, os pontos que já estão estabelecidos, porque muitos ainda há a estabelecer. Alguns, do nosso ponto de vista: Um, é preciso que haja crédito rural, mesmo, e não de faz-de-conta; ou seja, que se privilegie o pequeno produtor, que se privilegie também o médio produtor; que se volte a fazer como no passado se fazia, um investimento maciço no campo. Nós temos sol o ano inteiro e poderíamos ter duas ou três safras por ano. É uma questão de investimento. É preciso que exista todo um sistema de apoio ao homem do campo, que hoje é alijado praticamente de todas as vantagens que tem o homem da cidade. É preciso que haja uma preocupação de toda a nação. E essa preocupação, a nosso ver, só existirá, no nosso caso, [assume novamente o tom enérgico] se nós deixarmos de ser corredor de exportação; exporte os excedentes; e que se mitigue a fome...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Doutor Enéas, talvez o senhor tenha esquecido de uma coisa que talvez seja importante: terra para esse homem a quem o senhor está dando crédito, está dando assistência técnica etc e tal. O senhor daria terra para o homem sem terra?
Enéas Carneiro: Existe toda uma faixa de terras que pode ser ocupada no momento sem nenhuma desapropriação. Essa questão é extremamente séria e eu não me permito, sem ter o acesso à informação precisa, fazer uma afirmativa que seja uma aleivosia. Os senhores, como jornalistas, sabem que as informações que nos chegam são distorcidas. Quando eu falei ainda agora, para os senhores, de Banco Central, eu sei o que eu estou dizendo; quando eu falei de IPMF - nem cheguei a falar, porque cortei no momento... Quando se procura ler nos jornais, a gente não encontra informação. Qual foi a receita do IPMF? Que foi apresentado como sendo solução há pouco tempo. Ele era 0,25%, não era?
[...]: 0,025%...
Enéas Carneiro: Não, é 0,25%. É um quarto de um. Não é zero, não. 0,25%.
[...]: Sim.
Enéas Carneiro: Se o senhor multiplicar 0,25 por 16, [pensando] 16 vezes 5 dá 80... 4... O senhor vai ter 4, que é a idéia do professor [e economista] Marcos Cintra, criador [da proposta] do Imposto Único. Se o senhor multiplicar isso por 12, o senhor vai ter a receita do ano. Uma projeção...
[...]: Sei.
Enéas Carneiro: Em abril, a receita foi de 150, é uma fração que eu não me recordo, 150 milhões de dólares. O total vai dar 64 bilhões de dólares. Veja como recursos aparecem rapidamente. Um minutinho. Mas ninguém sabia, isso foi feito assim...
José Paulo Kupfer: É 7 bilhões de dólares.
Enéas Carneiro: 150 milhões de dólares, com certeza.
[sobreposição de vozes]
[...]: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Retirados da população, ué!
Clóvis Rossi: Sim, tudo bem, mas eu não estou entendendo a conta.
Enéas Carneiro: Não, eu estou dando um exemplo, espera aí.
Clóvis Rossi: Eu não estou entendendo a conta. [Como] o senhor chegou à 156 bilhões de dólares?
Enéas Carneiro: Não, 150 milhões, 0,25% de todo o...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Por mês, está certo.
Clóvis Rossi: Ah, milhões...
Enéas Carneiro: Milhões.
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Neste ano, dá 7 bilhões...
[...]: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Não, não, não, não, eu tenho dados oficiais. 150 milhões, se o senhor multiplicar isso por 16, o senhor tem os 4% previstos pelo professor Marcos Cintra. 2% para quem emite e 2% para quem recebe. Para terminar a análise, isso vai dar, no ano... Pode fazer as contas, vai dar 64 bilhões de dólares. Certo?
José Paulo Kupfer: Dá 7.
Enéas Carneiro: 64 com certeza! Por favor...!
Heródoto Barbeiro: Pois não, Ibsen.
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Com essa conta, onde o senhor quer chegar?
Ibsen Spartacus: Doutor Enéas, doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Eu quero chegar ao seguinte: essa informação não chega à população. Assim também, veja bem, eu não tive...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] doutor Enéas, o número é 7 bilhões. 64 bilhões de dólares é três vezes a arrecadação da União no ano, doutor Enéas.
Enéas Carneiro: Se o senhor me permitir, se nós fizermos um intervalo, eu faço as contas e lhe mostro. Eu vou repetir. 150 milhões vezes 16, vezes 12...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Por que 16, doutor Enéas?
Enéas Carneiro: [mostrando-se cansado de tantas interrupções] Porque a alíquota é 0,25% e a proposta do professor Marcos Cintra é de 4%, meu Deus! É 2% para quem emite e 2%...
Clóvis Rossi: [interrompendo] E o raciocínio...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas o que tem o Marcos Cintra com isso? Ele não...
Enéas Carneiro: Porque ele é o criador da idéia do Imposto Único...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas não foi o imposto dele que foi aplicado...
Enéas Carneiro: Ah, mas foi uma distorção. Esse IPMF é um faz-de-conta do Imposto Único. O que é isso, como não foi? O IPMF foi uma percepção primeira da realidade, para que depois se aplicasse o Imposto Único...
Ibsen Spartacus: [interrompendo] doutor Enéas, é o seguinte:...
Enéas Carneiro: Deixa eu só terminar o negócio da terra. Eu não tenho, e meu grupo ainda não teve, acesso às informações reais. A gente pede uma informação, ela é distorcida, ela é guardada, ela é escamoteada. O orçamento, qual é o orçamento da União? Não foi votado até hoje - estamos na metade do ano - por suas excelências, os senhores congressistas. Então, eu não tenho ainda para lhe dizer a informação precisa da questão da terra. É essa a resposta minha. Pode prosseguir.
Heródoto Barbeiro: Só para dizer, por favor, que o senhor acabou de responder, doutor Enéas, a pergunta do nosso telespectador, o senhor Agostinho Ferreira Filho, de Moema [bairro de São Paulo]. Pois não, Ibsen.
Ibsen Spartacus: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: Ah, pois não.
Ibsen Spartacus: Eu gostaria de saber se o senhor acha necessária uma reforma na Constituição e se o senhor a faria dentro do Palácio do Planalto ou a negociaria com o Congresso.
Enéas Carneiro: Olha, a Constituição tem muitas coisas... Tudo que se apregoa aí para mudar a Constituição, para mim não faz o menor sentido. A maioria das coisas. Por exemplo, minério, subsolo: não vejo razão nenhuma para isso; pelo contrário, as empresas ditas nacionais são apenas as vidraças de grupos poderosos multinacionais que estão por trás. Então, não vejo... para mim, são lobbies gigantescos para desnacionalizar cada vez mais o Brasil. Bom, segundo, monopólio. Eu sou totalmente - eu, não, o nosso partido é totalmente favorável ao monopólio do petróleo, das telecomunicações; e seria também ao do aço, só que o aço não adianta mais, já venderam. Agora, se o senhor perguntar por quê, eu também respondo. Quem detém petróleo, detém energia; quem tem energia, tem progresso; se tem progresso, tem desenvolvimento, tem investimento, tem produção, tem emprego. Ora, abrir o monopólio - quer dizer, desfazê-lo -, o senhor dirá: “não, mas são empresas nacionais”. Não necessariamente. Pode ocorrer o mesmo que ocorreu com mineradoras. Grupos poderosos alienígenas estarão aqui daqui a pouco.
Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Doutor Enéas, eu estou recebendo uma informação aqui...
Enéas Carneiro: Pois não.
Heródoto Barbeiro: Apenas porque o senhor levantou uma questão, essa questão da pessoa ser culta ou não. O senhor Francisco Magalhães, de Goiânia, em Goiás, pergunta ao senhor o seguinte: o que o senhor faria com o atual primeiro-ministro da Inglaterra, o senhor John Major [primeiro-ministro do Reino Unido de 1990 a 1997], que só tem o segundo grau?
Enéas Carneiro: Mas o segundo grau pressupõe um nível médio de escolaridade. O que eu faria com ele? Veja bem, todas as vezes em que eu ouvi o senhor John Major manifestar-se, eu não ouvi incultura, eu não vi nele um nível de instrução tão abaixo da média como quer o senhor telespectador. [olhando para a câmera] Perdoe-me o senhor, eu não faria nada. É um homem que...
[sobreposição de vozes]
Enéas Carneiro: Agora, só um instantinho para amarrar. Que deveria ser exigido o mínimo, só isso.
Ibsen Spartacus: O senhor disse o que o senhor não adotaria em uma revisão constitucional.
Enéas Carneiro: Ah, não, não, sim, sim.
Ibsen Spartacus: Mas o que o senhor faria? E se o senhor negociaria isso com o Congresso.
Enéas Carneiro: É, veja bem. O presidente eleito, ele dispõe, hoje, de um instrumento jurídico que é válido, que é legítimo, que é a medida provisória, que é usada... Há poucos dias, perguntaram, no Jornal do Brasil: "O senhor usaria?" Claro. A medida provisória permite ao presidente da República uma ação rápida. Então, a medida provisória é usada no sentido de vencer uma questão emergencial. Aliás, no Brasil, nós vivemos em permanentes questões emergenciais, tudo é uma emergência. O Brasil não vive em regime de urgência, ele vive em emergência. A gente poderia falar duas horas sobre os campeonatos mundiais; o Brasil é campeão do mundo em doença de Chagas, tripanossomose americana; é campeão do mundo em esquistossomose mansônica; campeão... [Sobre] doenças de Chagas, o senhor Carlos Chagas falava isso no início do século: bastaria acabar com as casas de pau-a-pique. E nada se fez durante sessenta anos. Quer dizer, então eu tenho a impressão, de novo, que os senhores congressistas serão - já disse e repito - extremamente simpáticos à tese de reedificar a ordem nacional, uma vez que eles são legítimos representantes do povo.
[...]: Doutor Enéas, só...
Rui Xavier: [interrompendo] Parece que a maior parte dos congressistas tem curso superior, não tem?
Enéas Carneiro: Não sei, não sei lhe responder.
[...]: Doutor Enéas.
Rui Xavier: O que o senhor acha que precisa para o Congresso?
Enéas Carneiro: Uma vontade, precisa a deflagração...
Rui Xavier: Não, não. Eu digo para entrar para ser deputado, para ser senador.
Enéas Carneiro: Ah, o que precisaria?
Rui Xavier: É! Qual é o requisito...
Enéas Carneiro: Não sei lhe responder.
[...]: A formação mínima.
Rui Xavier: A formação mínima.
Enéas Carneiro: Espera aí, no exterior, em alguns países, existem escolas de formação política.
Clóvis Rossi: [interrompendo] Aqui também, aqui também tem.
Enéas Carneiro: Espera aí, por favor, vamos devagar. O senhor vai me dizer que os congressistas que aí estão fizeram escola de política?
Clóvis Rossi: Não, eu não disse isso.
Enéas Carneiro: Ah, perdão.
Clóvis Rossi: Eu disse que tem escola de formação política. Se os congressistas fizeram ou não...
Enéas Carneiro: Tudo bem, não, não...
Clóvis Rossi: Eu só queria entender o seguinte: ao longo do programa, o senhor chamou os políticos de escória...
Enéas Carneiro: Não, eles pertencem à escória...
Clóvis Rossi: Pertencem, está bom.
Enéas Carneiro: ...pelas atitudes que vêm a público.
Clóvis Rossi: Está bom, tudo bem.
Enéas Carneiro: Eu não os conheço pessoalmente.
Clóvis Rossi: Eu só queria terminar a pergunta.
Enéas Carneiro: Pois não. Desculpe, aliás.
Clóvis Rossi: Políticos, o senhor já esculhambou à vontade. A imprensa dedica-se à luxúria e a fazer a pregação do que o senhor acha que são os candidatos da imprensa...
Enéas Carneiro: Mas eu acho...
Clóvis Rossi: Espera um pouquinho, deixa eu terminar a pergunta. Os técnicos do governo sonegam informações, o senhor não consegue... escondem e mistificam etc e tal. As pessoas sem um mínimo de educação formal, que aqui no Brasil são a maioria, não deveriam, enfim, ter acesso a qualquer cargo político ou público. Além do senhor, quem mais presta no país, doutor Enéas?
Enéas Carneiro: Ah, mas que maneira inteligente do senhor me lançar contra a população. Veja bem, é uma maneira extremamente inteligente, que caracteriza o que eu vejo nos seus escritos, quando, vez por outra, eu leio - escritos, aliás, interessantes - no seu jornal. Veja o senhor, eu não fiz nenhuma apologia aqui de ser eu a única exceção. Eu disse no quadro de candidatos à Presidência da República. Vamos botar um ponto exatamente em cima do “I”. No que aí está, no que chegou como candidaturas à Presidência da República, eu não vejo nada que me impressione. Por favor, para ser claro. Eu não disse que não há indivíduos... O senhor quer saber onde há um número enorme de indivíduos de valor gigantescos, fora da política?
Clóvis Rossi: Nas Forças Armadas?
Enéas Carneiro: Fora da política. Não necessariamente. As Forças Armadas têm indivíduos de valor... O senhor não gosta delas, é um direito que o senhor tem, mas há indivíduos de valor...
Clóvis Rossi: Eu não tenho contra...
Enéas Carneiro: É evidente, eu leio alguns dos seus escritos. Não leio todos porque eu não tenho tempo. Mas, veja bem, há uma reação nacional dos senhores, porque os militares se caracterizam por uma coisa chamada ordem, disciplina, respeito - coisas de que eu gosto, também. Agora...
José Paulo Kupfer: [interrompendo] Mas nós não... nós queremos a desordem, é isso?
[risos]
Enéas Carneiro: Olha, os senhores... Perdão, de novo, os senhores...
José Paulo Kupfer: Pelo amor de Deus, doutor Enéas!
Enéas Carneiro: A imprensa, a imprensa, ela se caracteriza e ela vive, digamos, ela se nutre do escândalo, perdoem. Médicos colegas meus fazem trabalhos extraordinários no Brasil. Isso não é notícia. [em tom enérgico] Notícia é o estuprador de menores. Ele vai para a página [bate as mãos] da revista Veja, para a capa da revista IstoÉ.
Rui Xavier: Por que o senhor está falando tanto da revista Veja?
Enéas Carneiro: Eu citei duas vezes. É o órgão de maior poder de penetração, não é? Não é o órgão? Um dia desses, um senhor desses ligou para mim [e disse] que queria fazer entrevista; eu falei “não, eu faço entrevista com os senhores com um gravador”. Com qualquer órgão. Por quê? Porque eu não acredito. Os senhores distorcem. Nessa matéria que o senhor tem na mão, há coisas que eu não disse. Quando ele me perguntou, eu disse “é verdade, eu disse”. Não tenho por que mentir. Mas há coisas... E o senhor vai dizer assim, “reaja”; mas para daqui a seis meses, vir a retratação, quando tudo já acabou...?
Josemar Gimenez: Doutor Enéas, só mudando um pouquinho de assunto aí...
Enéas Carneiro: Pode mudar.
Josemar Gimenez: O senhor tem dito sobre o homossexualismo...
Enéas Carneiro: Quer perguntar?
Josemar Gimenez: ...coisas bem incisivas.
Enéas Carneiro: Serei incisivo!
Josemar Gimenez: O senhor disse que era um vício, uma perversão. O senhor, como médico, sabe muito bem o tratamento que a Organização Mundial de Saúde dá ao tema.
Enéas Carneiro: Sim, eu conheço.
Josemar Gimenez: Agora, a pergunta é a seguinte: o homossexual vai ser discriminado no seu governo? O que o senhor pensa do tema?
Enéas Carneiro: Bom, vamos. Perfeito, a pergunta é clara e vamos respondê-la da mesma maneira em que temos feito em todos os locais. Viro para o senhor, não é? Bem devagar. O homossexual, sem dúvida, pertence a um grupo, veja o senhor, que, se se generalizasse, representaria a extinção da espécie. Dois homossexuais...
Josemar Gimenez: [interrompendo] Isso, o senhor fala com base em estudos do senhor?
Enéas Carneiro: Meu Deus, dois homossexuais têm espermatozóides, não têm óvulos, é impossível haver reprodução! Por favor, isso é curso primário, não é ginásio, não é universidade...
Josemar Gimenez: Claro.
Enéas Carneiro: Por favor! Por favor!
Josemar Gimenez: Tudo bem, tudo bem.
Clóvis Rossi: É óbvio, não é, doutor Enéas?
Enéas Carneiro: Mas ele está perguntando!
Josemar Gimenez: Tudo bem, tudo bem, eu me equivoquei na pergunta...!
Enéas Carneiro: O senhor que fez a pergunta, não foi eu.
Josemar Gimenez: Tudo bem!
José Paulo Kupfer: Doutor Enéas, perdão, mas com o avanço da ciência e das provetas...
[risos]
Enéas Carneiro: Não. Não, não...
José Paulo Kupfer: ...talvez fosse possível...
Enéas Carneiro: Não há avanço de ciência... um minutinho...
José Paulo Kupfer: Eu sei, mas talvez fosse possível...
Enéas Carneiro: [olhando para a câmera] Para o senhor e para os telespectadores que não obrigados a terem estudado medicina: quando a gente nasce... nós temos cromossomos; por mais que se façam operações, intervenções cirúrgicas, que se extirpe a genitália externa de um homem que nasceu homem, se fabrique um órgão genital feminino com silicone, por mais que se criem seios artificialmente, que se faça depilação, cada cromossomo é uma unidade que está dentro do núcleo...
Clóvis Rossi: [interrompendo] doutor Enéas, não precisa explicar.
Josemar Gimenez: Não precisa explicar isso, eu só queria saber...
Enéas Carneiro: Por favor, eu tenho que responder.
Clóvis Rossi: Doutor Enéas, todo mundo sabe que homem com homem não dá filho e mulher com mulher não dá filho.
Josemar Gimenez: Gostaria de saber da discriminação e o que o senhor pensa do tema...
Clóvis Rossi: Não precisa explicar cientificamente, todo mundo sabe. É a resposta sobre o tratamento do homossexual que é importante, a lição de...
Enéas Carneiro: Ela é importante do seu ponto de vista. Mas a pergunta dele... nem todos os ouvintes pensam exatamente como eu estou dizendo. Tem gente que pode até pensar que o homossexual... Como ele disse, "a ciência faz avanços", alguém disse aqui no programa.
[risos]
Enéas Carneiro: Alguém disse. Mudar a base genética, que eu saiba, transformar “XY” em “XX”, eu não conheço. [referência aos cromossomos sexuais femininos, de mesmo tipo (XX); e masculinos, de tipos diferentes (XY)]
Josemar Gimenez: Mas, agora, com relação ao tratamento que o senhor dá...
[sobreposição de vozes]
Enéas Carneiro: Tudo bem, ao tratamento, vamos lá. Vamos lá...
[risos]
Enéas Carneiro: Vamos lá, ao tratamento. O homossexual é um ser humano como qualquer outro, um ser humano que merece respeito, que merece educação, merece hospital, tudo. Agora, uma coisa é ele existir como ser humano. Vou falar bem devagar, para não haver distorções! Outra coisa é ele ser apresentado como exemplo de comportamento sexual. Veja bem, ele pode ser exemplo como artista, um artista, um escultor, um pintor; agora, ele não pode, [com ênfase] está errado quem disser isso, porque a sociedade, veja o senhor, é feita para se reproduzir. Não estou nem usando textos bíblicos, estou falando de ciência. O maior de todos os impulsos que existem no planeta é o da preservação da espécie - é maior até do que o da preservação do próprio indivíduo. Então, o homossexualismo, veja o senhor, ele não pode ser apresentando como uma terceira via, [quase gritando] como um caminho natural! [volta o tom para o normal] Não, o homossexualismo é, veja o senhor, um desvio. De que natureza é, há muita discussão, muita discussão. Quando o senhor citou a Organização Mundial de Saúde, eu conheço o que o senhor está dizendo. Há muita discussão, não há consenso. Mas uma coisa é clara: ser homossexual não é um exemplo, do ponto de vista de atividades...
Josemar Gimenez: [interrompendo] Vai ser discriminado no seu governo?
Enéas Carneiro: Vai ser dito exatamente isto que eu estou dizendo aqui, antes, durante e depois: vai ser tratado com todos os direitos a que um ser humano tem direito, mas não... Por exemplo, homossexuais casais: isso é um absurdo.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas...
Enéas Carneiro: O nosso partido não aceita - escute. Os senhores todos tem todo o direito pensar contrariamente à gente, mas eu tenho posições definidas. Não estou procurando votos. Eu estou dizendo exatamente o que o nosso partido pensa: a ligação, o casamento, aceito como está ocorrendo de quando em quando...
Rui Xavier: [interrompendo] Todo o seu partido pensa desse jeito?
Enéas Carneiro: Bom, o senhor está autorizado a interrogar, não as pessoas que gritam “meu nome é Enéas!”, mas os líderes, os nossos presidentes regionais. O senhor ouvirá essa resposta.
Rui Xavier: Qual é o tamanho do seu partido hoje, doutor Enéas?
Enéas Carneiro: Não sei. Eu lhe digo, eu convidei o senhor Marcel [...] Bom, vamos também, aqui, amarrar uma coisa. Se partido grande representasse alguma coisa, [Orestes Quércia,] o líder do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], ao sair à rua, seria ovacionado. E, pelo que me contam - eu não vi -, houve um atrito violento entre ele e o senhor, se eu não me engano, aqui. [programa Especial 18 anos Roda Viva, de 2004] Inclusive, uma falta absoluta, se não me engano, de comportamento. Não sei bem o que foi, eu não vi, contaram-se... E o senhor vê, as pesquisas estão... No ABCD, eu tenho mais votos que ele. Então, partido político no Brasil é uma estrutura, hoje, extremamente comprometida...
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas.
Enéas Carneiro: ...justamente por causa dos acordos espúrios. Agora, se o senhor me perguntar qual é a penetração do meu nome na massa, aí, só pagando para ver.
Heródoto Barbeiro: Doutor Enéas, nós completamos uma hora de entrevista com o senhor...
Enéas Carneiro: Muito obrigado.
Heródoto Barbeiro: Nós queremos agradecer a sua presença aqui no Roda Viva...
Enéas Carneiro: Muito obrigado ao senhor.
Heródoto Barbeiro: Muito obrigado pela sua presença.
Enéas Carneiro: Muito obrigado ao senhor.
[Enéas Carneiro morreu aos 68 anos, em decorrência de uma leucemia, em 06 de maio de 2007, no Rio de Janeiro]
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